Ordinárias Crônicas Adolescentes - Henrique cap VIII

VIII

Demorou um tempo até que percebêssemos a gravidade da batida, nossa primeira reação foi rir, ríamos sem parar, como se aquilo fosse a coisa mais divertida que houvesse no mundo. Talvez essa reação tenha sido fruto do efeito da maconha, mas eu não posso afirmar com certeza. Apesar de estar rindo como uma hiena, sentia minha cabeça latejando de dor no local que eu havia levado pontos por conta do tombo na casa da Tamara, enquanto cantava Karaokê. Além disso, percebi arranhões pelo meu braço e um na testa também. As risadas haviam cessado, todos estavam verificando seus respectivos machucados e feridas, creio que esse foi o momento no qual nos demos conta do que havia acontecido e que tínhamos sorte de termos sofridos apenas arranhões.

- Acho que quebrei meu dedão, tá ficando inchado – Anunciou Tamara.

- A Melissa vai ser médica, ela pode olhar pra você, né Melissa? – Sugeri.

- Eu não! – Ela percebeu o que havia feito e tentou amenizar sua fala – É que tipo, eu ainda não sou né, não posso dizer nada, vai que é outra coisa.

- Eu falei que isso não ia dar certo, olha que merda, tô todo sangrando, por causa de você Fred, seu filho da puta – Reclamou Matheus.

- Teu cu que você falou alguma coisa, você não falou porra nenhuma, Matheus! – Protestei.

- Mas pensei!

- Que se foda, não falou então não importa, né Alfredo?

Levamos um susto ao perceber seu estado, Alfredo estava com a cabeça baixa, encostando sua testa no volante e com um corte grande e feio nela, que pingava muito sangue. Estava com os olhos fechados, desacordado, respirava num ritmo débil e quase imperceptível. Não sabíamos o que fazer, aparentemente, todos nós nos encontramos em estado de choque ao repararmos o que havia acontecido com o Alfredo.

- Ai, meu Deus, ele morreu! – Gritou Melissa.

- Oh caralho, para de drama, ele ainda tá respirando – Falei com a raiva tomando conta de mim.

- Então ele vai morrer a qualquer hora, olha o estado dele! – Adicionou Melissa.

- Não, ele tá só desmaiado – Tranquilizou-a Tamara.

- Isso é porque quer ser médica, sabe nem ver se a pessoa tá viva ou morta - Alfinetou-a Matheus.

- Porra, vamo parar com essa merda, alguém liga pra emergência – Explodi.

- Hahaha boa sorte cabeça, não tem sinal de celular aqui.

- Fodeu! E agora, o que a gente faz?

- Senta e espera?

- Ah é Matheus? Ótima ideia e ele morre aí depois e a gente ainda leva a culpa, seu burro.

- Tu tem alguma ideia melhor Cabeça? Ah não, então cala tua boca e não enche a porra do meu saco.

- Gente, para com isso, não vai ajudar em nada, Cabeça, tenta falar com o rádio da polícia, deve ter um nesse carro né – Opinou Tamara.

- Esse aqui?

- Esse mesmo.

Tentei chamar ajuda pelo o rádio, mas ele não funcionava, no máximo consegui tirar alguns chiados dele, mas nenhum contato foi estabelecido. Estávamos no meio do nada, sem sinal de celular, sem meios de nos comunicar e com uma pessoa gravemente ferida, era totalmente natural que eu estivesse assustado, com medo e, principalmente, estressado. Acho que não mencionei isso antes, eu sou um cara muito estressado, fico com raiva e vontade de explodir por qualquer coisa, sou facilmente irritável e posso ser muito desagradável às vezes. Apesar disso, eu sabia me controlar muito bem exatamente porque, ao mesmo tempo, eu era muito pacífico e calmo, sei que soa estranho, mas eu sou esse paradoxo que só algumas pessoas me entendem, na verdade, acho que ninguém realmente me entende. Contudo, toda essa situação me deixou fora de controle, saímos do carro e tudo o que me lembro de ter feito foi gritar, reclamar e ficar com raiva de tudo isso.

- Mas que merda, essa porra toda tinha que acontecer logo hoje, celular não pega nessa porra desse lugar, tem uma merda de um cara quase morto no carro e a gente tá perdido no meio do nada. PORRA, CARALHO! Tomar no cu, o que a gente vai fazer?

- Calma Rique, vai dar tudo certo a gente vai pensar em alguma coisa- Tentou me tranquilizar Melissa.

- Ah vai? O Matheus tá certo, ‘cê quer ser médica, mas nem sabe ver se uma pessoa tá viva e quer me dizer que vai dar tudo certo? O que vai acontecer? Seu príncipe encantado vai vir de cavalo branco te buscar e mandar seu exército nos salvar? Tomar no cu né, para de sonhar Melissa.

- Porra Cabeça, para de descontar sua raiva na menina, tá vendo que ela tá chorando não? Cara, não adianta ‘cê ficar aí gritando, dando ataque de raiva, já aconteceu, a gente tem que pensar junto, porra.

- É Matheus? E o que você fez até agora? Porra nenhuma, não ajudou em nada e, que eu saiba, você também vive chorando, vai acompanhar sua nova amiga.

- Isso cara, age assim mesmo, ‘cê tá sendo um babaca, achei que a gente fosse amigo.

- Henrique, para cara, não vai adiantar, se acalma e a gente vai dar um jeito de resolver isso.

- É Tamara? E o que você vai fazer? Vai agarrar a Melissa de novo e vocês vão ficar se beijando até tudo magicamente se resolver?

- E você vai ficar gritando feito uma bicha louca no cio achando que vai adiantar? Você tá sendo um babaca Henrique, agindo assim você pode acabar perdendo seus amigos.

Todos os três saíram do carro e eu fiquei lá sozinho com cara de tacho pensando no que eu havia feito. Eu realmente estava sendo um babaca, eu realmente estava sendo um idiota com eles por nada, eles não haviam feito nada. Acho que toda a minha raiva por causa do beijo que havia visto entre Melissa e Tamara contribuíra para que eu explodisse e agisse feito um idiota. Foram poucos segundos que me fizeram perceber a burrada que eu havia feito, então eu levantei e saí do carro e fui até eles me desculpar.

- Me desculpa gente, eu realmente fui um idiota, um babaca, eu não deveria ter gritado com vocês nem ter falado aquelas coisas eu fiquei com raiva e desesperado com toda essa situação, eu... po... desculpa.

- Tá tudo bem Rique, você até tem razão em algumas coisas – Começou Melissa.

- Em que? Que você virou lésbica agora? – Matheus disse isso num tom de brincadeira e deu um abraço nela.

- Não, idiota, eu tava querendo dizer sobre sonhar demais, eu vivo fora da realidade, querendo que tudo mude, esperando meu príncipe... é que sei lá, sempre foi assim... e também tem toda a pressão lá em casa pra eu ser médica e... bem, eu tenho horror a sangue e a machucados e coisas do gênero... eu não quero ser médica... eu precisava ouvir isso de você.

- Ah... eu não sabia disso Melissa – Senti minhas bochechas corando – mas o que você quer fazer?

- Eu ainda não sei, mas sei que tenho horror a sangue e não posso trabalhar com saúde.

- É sério, ela quase desmaiou quando viu seu sangue no chão de quando você caiu da mesa de centro lá na Tamara – Acrescentou Matheus.

- É, bem, sobre essa minha queda... já que é pra falar a verdade... é... eu vi vocês duas se beijando, fiquei com raiva, bebi várias doses de tequila, foi cantar triste e deu no que deu, rachei a cabeça –Dei um risinho e passei a mão na minha nuca para quebrar o desconforto.

- Bem, eu só me aproximei da Melissa porque eu queria ficar com você, como nos disseram que vocês eram namorados e que tinham uma relação aberta e Melissa também era linda, eu quis tentar essa oportunidade, mas aí você rachou a cabeça e fodeu com tudo – Tamara fez questão de esclarecer isso com cara de “ por sua causa eu não terminei bem minha noite”.

- É, e eu tava triste por causa do idiota do Vinícius e sempre quis ficar com outra menina e aproveitei a ocasião, mas depois eu disse pra ela que o Matheus tinha mentido e tudo o mais – Melissa acrescentou à explicação de Tamara

- Então você queria mesmo ficar comigo? Era o que queria desde que te conheci, eu fiquei doido com você, eu ... – Percebi que todos olhavam para mim e fui tomado pela vergonha e parei de falar.

- Queria sim, agora não mais, não porque você não seja maneiro ou qualquer coisa, mas porque eu percebi que você serve muito mais pra ser meu amigo do que pra ficar comigo, se a gente ficasse, isso ia acabar – Tamara me disse isso e para mim foi como levar um balde de água gelada na cabeça num dia de inverno.

- Ah... amigo... – Foi tudo o que eu conseguir dizer.

- Eu não tenho amigos de verdade, os meninos são legais e tudo, mas eles só querem me comer, bem não o Ramon, porque acho que ele é gay, mas o Eric sim e você, apesar de querer isso também, é muito diferente deles, eu sei que se eu precisar de você a qualquer hora, você vai me ajudar, é isso o que você faz com esses dois aqui.

- É Rique, você não tem ideia do que você significa pra nós dois.

- Fale por você, o Cabeça é totalmente dispensável, haha, brincadeira mano, é nóis.

- Sério gente? Nossa, nem sei o que falar...

- Não fala nada, abraço coletivo, eba! – Disse-me Melissa ao mesmo tempo que nos grudava para um abraço.

- Uma coisa que não entendi até agora é esse amor todo que vocês dois se encontram, Sra Melissa e tu, Matheus – Os dois caíram na gargalhada e eu fiquei sem entender nada – Que foi?

- No desespero que ela ficou em te ver no hospital, ela danou a falar sobre mil coisas sem noção e acabou confessando que sempre foi apaixonada por mim, eu dei pala é claro e eu falei que eu não era, ela ficou bolada, fui atrás dela expliquei minha situação e nós viramos amigos – Tentou-me explicar Matheus.

- Que situação?

- Cara, sério que você não sabe?

- De quê?

- Eu sou gay.

- Você tá zuando com a minha cara!

- Não po, eu me dei conta há pouco tempo, é por isso que eu vivo triste e tal...

- Agora faz sentido porque você tava chorando no banheiro, na verdade, não, porque você tava chorando aquele dia?

- Ah... meu pai descobriu, ele me pegou vendo pornô gay na internet, ele quis conversar comigo, mas eu briguei com ele, por incrível que pareça ele tentou me ajudar, só que eu fui um idiota, porque ‘cê sabe, ele sempre foi tão babaca comigo que achei que ele ia me bater, me expulsar de casa, coisas assim.

- Mas tu já deu?

- Porra Cabeça, não né, eu sou virgem. Eu só fiquei com um cara até hoje na festa da Tamara, na hora que você caiu a gente tava ficando.

- Nossa... Bem que eu vi que ‘cê tinha sumido. Mas quem era?

- Ah nem lembro o nome, eu tava louco.

- Hum, sei como é.

- É, ah, meu pai achou que ‘cê era meu namorado.

- Por quê?

- Porque a gente vive junto, por isso ele foi te buscar aquele dia, ele queria ter certeza, mas depois ele me disse que viu que a gente não era namorado e que eu tinha que te dar valor, ele falou que amigo como você não existe.

- Nossa, até agora eu não acredito que eu sempre fui apaixonada num escroto viadinho – Melissa voltou dos seus sonhos, todos rimos.

- Eu não entendo, eu não faço nada, por que vocês tão falando que eu sou assim?

- Olha, eu que cheguei por último e vi tudo de fora, você faz tudo por eles sem perceber, você os apoia sem julgar, você não quer nada em troca deles, você entende o jeito deles e é sincero, é tudo que uma pessoa procura num amigo – Escutando essas palavras de Tamara eu simplesmente chorei.

- Mas por que vocês nunca me contaram essas coisas? Às vezes eu sinto que ninguém me conta nada eu fico perdido – Protestei.

- Cabeça, eu não sabia o que tava acontecendo comigo, sabe é foda você se dar conta do nada que seu colega de futebol é gostoso e que você queria beijar ele, imagina eu falando pra você esse tipo de coisa, eu precisava me entender primeiro e, pra ser sincero, meu pai que me ajudou hoje antes de sair e você quando não me perguntava e era simplesmente meu amigo de todo dia, isso me fazia sentir muito melhor.

- Mas po, não tem problema nenhum em você ser viado ué, é normal.

- Sim, mas nem todo mundo pensa assim, eu não pensava assim, acho que foi mais difícil me aceitar do vai ser os outros, também né, quase ninguém imagina.

- Eu nem tinha ideia, sério, eu pareço mais viado que você.

- Parece! – Concordaram os três.

- Porra, valeu, não era pra concordar.

Caímos na gargalhada. Era estranho ficar sabendo tantas coisas sobre meus amigos e sobre mim mesmo assim, num momento de desespero que acabou se tornando um momento de descontração, continuamos ali, por tempo, conversando sobre esses assuntos.

- Aí quando o Matheus me contou que era gay eu quase tive um troço e tive a certeza que eu tinha o dedo podre, sempre achei ele ridículo, escroto, idiota, lindo e fofo e era uma boba apaixonada, aí ele me conta que é viado, desiludi. Mas eu tava tão desesperada e ele me acalmava dizendo que tava tudo bem, que você ia melhorar, ele foi meu amigo, aí eu enxerguei tudo o que você sempre disse dele e me apaixonei mais ainda, mas aí lembrava que ele era gay e tive que me contentar com a amizade – Contou-nos aos risos Melissa.

- Mas por que ‘cê não me contou antes?

- Achei que você não ia querer mais ser meu amigo.

- Véi, te aguentei esse tempo todo, sério que ‘cê achou isso?

- Sério.

- Tá né... mas ainda tem uma coisa mal explicada. Qual é dessa Melissa maconheira e cola velcro que eu não conhecia?

- Ah... uma vez fui num churrasco com o meu irmão e lá tinha umas meninas meio loucas, elas tavam fumando e me ofereceram, sempre quis experimentar e tentei, fiquei muito doida, mas foi muito bom, uma delas queria ficar comigo, mas no dia eu achei demais, aí ontem eu tava triste por causa do Vinícius, a Tamara é bonita, tinha um papo legal, eu tava bêbada e disse a mim mesma, por que não? E fiquei com ela e foi muito bom.

- Mas depois nós duas conversamos e decidimos não fazer isso mais, ainda mais porque eu não sou lésbica e sei lá por que mais – Continuou Tamara.

- Nunca imaginei você fumando maconha.

- O Matheus que é um cagão

- Eu não gosto dessas parada.

- Por que não?

- Pra mim bebida basta Melissa, eu não gosto de fumaça, eu não gosto dessa onda, eu pareço louco, mas eu sou o mais comportado de todos, acho que minha loucura era só um escudo.

- É Matheus, ‘cê é viado mesmo, olha o que cê tá falando – Ri e peguei meu amigo num abraço.

-Vai tomar no teu cu, otário – Foi a resposta que recebi.

Já eram quase cinco horas da manhã e nós não tínhamos resolvido nada sobre nossa situação. Encontrávamos os quatro no meio de uma estrada de chão, sentados no seu canto, uma floresta a nossas costas, revelando barulhos e ruídos estranhos e que nos faziam soltar gritos de medo e susto uma vez ou outra, porém, nós estávamos mais unidos que nunca, nos sentíamos mais amigos que nunca e ainda tínhamos um novo membro no grupo, a Tamara. Todas aquelas revelações me fizeram ver que eu tinha os melhores amigos do mundo e que eu não poderia perde-los em nenhuma hipótese, eles eram tudo o que eu tinha além dos meus pais e minha família, depois de tudo aquilo eu tinha certeza que eles eram para a vida toda, mesmo que chegássemos a nos afastar, certas coisas nunca iriam mudar.

Jogávamos conversa fora e Tamara se lembrou do Alfredo. Eu realmente havia me esquecido dele, apesar do escândalo que fizera antes.

- Gente, e o Alfredo?

- Alguém tinha que ir lá ver ele – Disse-nos Melissa, tirando o corpo fora.

- Vai lá, Matheus! – Eu disse.

- Eu não, vai você, ‘cê que é o homem aqui mesmo né

- Aff, isso não vale!

Ninguém queria ir por medo de acabar encontrado o corpo morto de Alfredo, confesso que a ideia de ver um cadáver àquela hora da madrugada, cansado do jeito que eu estava e no meio do nada era bem assustadora. Porém, quando cheguei perto do carro, fui checar o banco do motorista e ele não estava lá, olhei no carro todo e ainda entrei meio metro dentro da floresta e procurei ele, mas fui chamdo de volta pelo grito da Tamara.

- Que foi Henrique?

- Ele sumiu.

- Como assim, sumiu?

- Sumiu, ele não tá no carro.

- Mas ninguém viu ele sair, onde será que ele foi?

- Sei lá, e agora? O que a gente faz?

- Fodeu.

É, fodeu.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 20/10/2014
Código do texto: T5005967
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.