A ESPINHA

Hoje, ao despertar para um novo dia, de repente, senti que alguma coisa no meu rosto incomodava. No começo era uma dor fraca, que foi aumentado até que eu não pudesse mais ignorá-la. Na minha idade é difícil de acontecer, desconfiei, enfiei a cara no espelho para confirmar e lá estava ela, bem no canto do lado esquerdo do nariz, antiga companheira que eu imaginava morta: uma espinha. Porque ela apareceu novamente, não sei dizer, só sei que sofri muito na adolescência quando meu rosto foi invadido por uma porção de espinhas doloridas. Agora é apenas uma, mas ainda assim, incomoda. E aquele receio do antes me corrompe agora. É que quando surgia uma, as outras apareciam em freqüência, enchendo meu rosto juvenil de pequenos pontos purulentos e doloridos. Mas naquela época era fácil, meus amigos sofriam do mesmo mal e até criamos uma competição pra saber quem tinha mais espinhas. Hoje aqueles meus amigos são senhores e duvido que algum tenha espinhas no rosto. Nem tento escondê-la: Colocar esparadrapo só vai aumentar a dor e a curiosidade alheia. Quase sem perceber, tento levemente esmagá-la e por fim ao tormento. Poucas experiências se comparam ao êxtase do leve encostar das unhas na espinha que dói. O recuo é imediato. Eu não devia reclamar, é só uma pequena dor, mas essa é daquelas que nos remetem à juventude, quando tudo é perfeito, exceto as espinhas no rosto. Vou deixar a barba crescer – penso num ápice de segundos – a solução que seria ideal não fosse demorada. Resolvo assumir a espinha no rosto e saio do banheiro como quem tenta esconder alguma coisa. Não sou bom nisso. Todos percebem minha falta de jeito e não penso duas vezes antes de declarar os motivos da minha agonia. Risos e mais risos. Continuo preocupado. No serviço tudo indica que ninguém percebeu, embora eu imagine pequenos rumores de risos, como galhos se quebrando a cada pisada. Vou novamente ao banheiro e com cuidado passo um punhado de pasta dental na espinha, que arde. O rosto, agora irritado, fica num tom avermelhado que não consigo esconder. Bem no centro, como um vulcão prestes a cuspir labaredas, a ponta amarela da espinha se destaca. Agora todos a enxergam. Sinto alívio de adolescente e comento empolgado: Estou rejuvenescendo. Risos estampados me contemplam e caminho decidido até minha sala, na intenção de ficar por lá o dia todo e esperar até que a espinha desapareça. Não consigo me concentrar e num ato ligeiro, ligo para um antigo amigo na intenção de saber se ele também foi atacado por alguma espinha no rosto. Ele, que fumou a vida toda, não me deixa perguntar, já vai falando, numa voz rouca, que tinha exame nos pulmões para logo mais, pede que eu reze por ele e desliga o telefone. E no meu rosto lívido, ligeiramente envergonhado, a danada da espinha para de doer. Passo os dedos levemente perto dela e volto a recordar do passado, num tempo bom que eu era jovem e tinha o rosto repleto de espinhas.

ANDRÉ LUIZ ALVEZ

Escritor, publicitário e ator.

Acido13@gmail.com