MANOEL DE BARROS



                                 Ontem, dia 13 de novembro de 2014, nos deixou para sempre o notável poeta Manoel de Barros, nascido em Cuiabá, Mato Grosso. O tempo, implacável, faz tudo desaparecer, nos restando apenas a saudade, esta dor que nos invade por toda a vida. Por isso, nosso poeta maior dizia que para não morrer temos que amarrar o tempo no poste. “Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”. Deixo de lado meus afazeres para  homenagear o poeta, transcrevendo, a seguir, minha antiga crônica, de 20 de março de 2010, onde não me canso de falar sobre Manoel de Barros:
                                 
                                A POESIA HOMENAGEADA
 

                                                            É inevitável. Retorno ao meu tema predileto. Refletir sobre nós mesmos e a literatura, mesmo sem competência e me aproveitando, como um mendigo, das migalhas de conhecimento daqueles que sabem abrir portas para encarar o mundo de frente, sem sustos e sem medo.
                                                           Parado numa das esquinas da vida, olho em torno para me decidir, neste dia internacional da Poesia, 21 de março, qual caminho tomar e que me conduzirá a algum lugar. Há uma tese atual que nos diz que tudo é ficção, rebatendo outra visão mais tradicional e aceita, a de que a literatura e seus personagens servem de espelho, onde podemos nos mirar e muitas vezes nos identificar.
                                                No último livro, caso não esteja enganado, do inesquecível Paulo Alberto, o Artur da Távola, sob o título “Mevitevendo”, o enfoque é do espelho. Porém, neste mundo mutante, como num caleidoscópio, onde tudo muda e a todo instante, novos autores e mesmo velhos intérpretes vêm nos informar que a literatura não representa a realidade, mas uma ficção do seu autor, sendo o leitor outra ficção, que jamais se conhece totalmente.
                                                Muito boa essa visão para a poesia, que nos liberta para alçar vôos que não conseguimos com a prosa e, no meu caso, nem pretendo objetivo tão fantástico, preferindo caminhar pelas estradas poeirentas e empedradas, mesmo que meus pés algumas vezes sangrem um pouquinho.
                                              É nesse sofrimento, não tão grande, bem suportável até, que me sinto mais vivo, me fortaleço e, mesmo que penosamente, sigo em frente.                                                   Aderir à visão da ficção me cheira solipsismo, embora como explicam, não o é, porque neste enfoque o Eu também é ficção. E, como sabemos, no solipsismo, só o Eu é real. No meio dessa doidice toda, talvez por medo, ou excesso de cautela, aderi à realidade científica e afirmo que o mundo exterior existe sim, independentemente, de mim. Fora de mim, está o mundo, com suas árvores, seus rios, suas montanhas.
                                             Identifico o verdadeiro herói naquele que sobrevive à rotina da vidinha comum, a única realidade que a maioria conhece, sem enlouquecer.
                                            Feita essa ressalva, é claro que vou me encantar e amar aqueles que subvertem toda essa realidade e nos trazem outro sabor para nossas vidas, decidindo que a verdade não tem importância, como diz esse enorme e muitas vezes desconhecido poeta Manoel de Barros. Para ele, a frase é mais importante que a pretensa verdade, até que sua própria fé. O compromisso dele, ele nos diz, é com a verossimilhança. O poeta, num dos seus versos afirma: “a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso” E nos fala gostosamente: “descobri que servia era pra aquilo: Ter orgasmo com as palavras”.
                                               E a liberdade total dele, leio na sua biografia, veio quando soube que o poeta pode misturar todos os sentidos. Interessante, este mesmo deslumbramento teve Maria Iaci quando descobriu que poderia escrever coloquialmente, ao nos relatar a sua trajetória de escritora.
                                                O primeiro livro de Manoel de Barros, não publicado e perdido foi “Nossa Senhora de Minha Escuridão”. Encontro, ainda, para meu deleite, em sua biografia, através do site releituras, comentário de Antonio Houaiss, que diz: “sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo”.
                                                Não sei se exibiram o filme que estavam fazendo da vida dele, com o título de uma frase sua: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
                                               Esse meu caminhar por esta estrada florida por tantas citações foi a minha decisão de hoje, tendo como único mérito lembrar estes destemidos, para homenagear todos os poetas do mundo, neste dia 21 de março, dia Internacional da Poesia. E procuro criar coragem com esse poeta, que gosta de coisas que começam assim: “antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem”.
                                                Assustado e inseguro, sem pedir licença, me agarro nas asas do compatriota mato-grossense, seguindo, alegremente, pelo caminho, pedindo que ele voe baixinho, recitando, desajeitadamente, os versos de outro poeta, o gaúcho Mario Quintana: “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos se não fora a presença distante das estrelas!




Nota:  Li, hoje, no jornal "O Globo" que o poeta andava no cerrado como quem anda na rua e que se desviava da cobra como quem desvia do automóvel. Lembrei-me imediatamente da Carmen Miranda, que, perguntada pelos americanos se havia cobras nas ruas do Rio de Janeiro, ela respondia alegremente: "sim, e quando vejo uma cobra que já conheço até cumprimento-a". 


 
Gdantas
Enviado por Gdantas em 14/11/2014
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