O vi, assim que desci as escadas, me deparei com ele, um jovem, muito sujo, muito sujo mesmo, com um velho edredom mais sujo ainda, uma simples e suja e guerreira calça jeans. Sapatos ou tênis? Não! Estava descalço e os seus pés estavam inchados e feridos, o pé direito estava mais inchado parecia uma bola, as feridas já eram familiares, pelo visto assim como próprio estilo de vida. Ele afugentava as pessoas ao teu redor, tanto pelo mau odor quanto pelos gestos e palavras, sem nexo alguma.
     Um dia estava descendo e o vi, ele riu para mim e eu respondi com um olhar de pena, ele disse que um time “x” estava acabando com o time “y”, era então dia de jogo.
            Em outro dia eu não pude deixar de ouvi-lo. Eu estava na rodoviária, e de súbito me veio a pergunta: - Será que dormiu ali? Mas onde? Tinha segurança dia e noite na rodoviária, e para mim, era improvável mas não impossível, contudo no pátio havia um sinal... era um cobertor, que parecia para muitos, na primeira impressão, servir de cama e protegê-lo do frio, para mim não restava dúvida alguma, era a “cama” dele.
      Ele gritava em alto e desesperado tom: - Quero café! Quero café.Parecia estar com muita fome. Eram seis horas da manhã e a lanchonete não tinha sido aberta, por que não tratavam dele? Ele também pagava e paga os altos impostos, como todos nós, pensei comigo. Os seus pés eram protagonistas do meu olhar, estavam em situação precária, senão doentios, mas pareciam resistentes, poderiam suportar uma corrida longa no asfalto quente, ou ainda pisar em brasa fumegante. Será que ele tinha família? Ou estava ali por desejo próprio?
            Eu me mantinha sentado, e ele apareceu, andava arquejando, meio manco, mas não parava de falar, foi olhar se a lanchonete tinha sido aberta, e quando se distanciou uns cinqüenta passos, ainda era possível sentir o mau odor, de quem não tomava banho há meses.
            Todos o olhavam meio com nojo e pena. Eu o admirava, é verdade tive pena, como quando vemos uma cadelinha com seus dez filhotinhos, na rua, temos medo e pena de tanto a mãe quanto os filhos serem mortos por carro ou moto, mas eu o admirava, por incrível que pareça, eu admirava porque ele ainda, apesar de tudo era um ser humano. De repente ele, retorna frustrado, com a porta da lanchonete fechada, e se aproxima de mim, eu não o neguei, no entanto, virou e subiu as escadas ao meu lado, quis até conhecê-lo.
            Na verdade ele não era um mendigo. Por quê? Sei lá ele não pedia dinheiro, nas ruas ou esquinas ou calçada, talvez por isso eu  não o considerasse mendigo.
            Após chegar em casa, ligo a televisão e o anúncio  de que um grande país matara um grande terrorista, chefe de uma rede de terrorismo, fez me sentar, será que haverá mais paz no mundo? Ninguém se perguntava, mas todos queriam saber como o pegaram, e de repente aquele grande país foi tomando pelos punhos do patriotismo, e os gritos de “VIVA! VIVA”! Tomou, a telinha, os cartazes do terrorista ainda vivo, foi ostentado, como troféu não queria mostrar as fotos dele morto, mas ele foi surpreendido numa mega operação feita pelo serviço de inteligência, que demorou dez anos para achá-lo. E agora, José? Haverá a paz a mundial?
            E aquele jovem sujo e maltratado, me veio à cabeça, ele com teus pés feridos e inchados, com seu jeito único de da “um soco” no estômago de todos nós, um soco de nossas misérias e piedades, ele que nunca foi violento.  
André Mendes
Enviado por André Mendes em 18/11/2014
Reeditado em 18/11/2014
Código do texto: T5039553
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