PARA SEMPRE AMALDIÇOADO PELO AVÔ (Pt. 2)
Em casa, Tiaguinho recebia carinho e instruções de seu pai. "Mandou bem, hein filho? Deu um chapéu no moleque e ainda marcou o gol da vitória do seu time". Dizia o pai, bastante satisfeito e passando a mão na cabeça do menino. Mas, Tiaguinho se sentia culpado por ter mencionado com Pedrinho a situação da mãe detenta dele, a fim de se livrar de uma discussão que não levaria a nada.
Lembrou ao filho, o pai, que sentir-se culpado por causar um constrangimento quando se está apenas se defendendo de um ataque, se humilhar ou dar a outra face para tapas é coisa de cristão e que ele pertence a uma família de bruxos. E tal qual é na educação que ele recebe, dente troca-se por dente e olho troca-se por olho. Tiaguinho não tinha que sentir culpa ou compaixão de desforra nenhuma que cometeu. Apontando para os pés descalços do garoto, o patriarca lhe indicou o segundo dedo de cada pé, os quais são maiores que os demais dedos, os halux alinhando em tamanho com o terceiro dedo e os dois últimos alinhando entre si. Queria com isso fazer referência à descendência dos bravos guerreiros celta de seus familiares. Seu Àtila educava seu filho para jamais passar privação, sofreguidão ou resignação na vida. Preparava ele para ser um vencedor. Principalmente naquilo que realmente importa na vida, que são a vida profissional, a amorosa, a familiar e a de lazer e de cultura de bons valores ético e salutar.
Nisso, Tiaguinho teve um pensamento relâmpago e fez uma pergunta ao pai. "Se somos bruxos, porque não fazemos mágica para que os resultados das partidas de futebol favoreçam o time que torcemos". E logo começou a entrar-lhe pelos ouvidos a resposta: "Não é como elevar os ventos e provocar chuva para lavar-nos a plantação, filhote". Adentrando-se por um exemplo o pai bruxo desenvolveu seu raciocínio.
"O trem metropolitano, por exemplo, ele é uma invenção do homem e do homem ele tem a administração e a manutenção. Se de uma estação à outra ele tem que gastar 3 minutos, é isso que irá acontecer. Os passageiros podem causar atrasos, mas nunca os motorneiros. E os atrasos que os passageiros podem causar são previstos e há um cálculo de desvio padrão para tudo funcionar como se deve. Se um bruxo quiser interferir nessa logística ele não conseguirá sucesso, pois não se trata de um evento natural. É como se fosse mexer em feitiço de outro feiticeiro. Nada pode fazer o bruxo que não for o dono do feitiço. Manipular o tempo para advir uma catástrofe não é o meio certo de causar atraso ou adiantamentos na rotina do transporte que citei, mesmo se isso for possível, pois o bruxo estaria condenando pessoas que talvez ele não quisesse afetar."
A cabecinha de Tiaguinho, embora seja prodigiosa para sua idade, não conseguiu entender aonde o pai engenheiro queria chegar. Precisou ele pedir esclarecimento. E o que ele queria dizer é que as partidas de futebol também são frutos de uma engenharia que garante os resultados que a confraria que as administram desejarem alcançar. Não se trata de eventos com cursos naturais dados à sorte. Elas sofrem cadenciamento de entidades de dentro e de fora do campo para acontecerem. O máximo que um ente que possui poderes sobrenaturais poderia fazer é articular para que fenômenos naturais catastróficos fizessem com que as partidas fossem adiadas, o que não impediria o desfecho decidido nos bastidores das organizações que pensam o futebol e moldam a cabeça do torcedor. O futebol é produto de mídia, feito para cobrir atenções e deslanchar comportamentos. Por isso não valia a pena ter qualquer tipo de emoção ou de desgaste por causa dele, uma vez que ele servia a propósitos que não o de apenas dar o circo para a cota privilegiada da população que tinha a vez de se tornar eufórica.
Descendente dos celtas e engenheiro, o pai de Tiaguinho também é simpatizante do marxismo. Ele é adepto de uma ideologia que ele apelidou de marxismo camponês. E, sem saber se a cabeça do filho poderia acompanhar, ele deu uma explicação sociológica para a sua bronca com o futebol. Disse ele que houve uma época em que muito se fazia para conter o avanço do marxismo. E sempre os oponentes dessa corrente de pensamento experimentavam derrotas. Até que descobriram o poder da engenharia social. E começaram a lavar a mente das pessoas das classes mais debastadas. Como a dos proletários, que eram foco de conquista dos marxistas e que representava uma força dentro das camadas sociais. Se essa classe se libertasse das amarras de então e prosperasse, como aconteceu na Rússia, a elite dominante brasileira estaria em apuros. Ia perder as regalias e o poder. Precisavam fazer alguma coisa para conter o assédio àquela gente. Precisavam emburrecer ou inibir de alguma forma aquele contingente volumoso e ainda servil. Não podia, de forma alguma, o povo batalhador mudar sua situação medíocre. Não bastava o pão que o povo achava que do Estado recebia, precisavam urgente de um circo bem cabuloso para fingir estar a dar também um lazer que valesse a pena tê-lo.
Conseguiram enfiar na cabeça delas a paixão pelo futebol. Fizeram com que elas se dividissem em grupos. Grupos de torcedores. Dividir para conquistar. E, então, além de criarem categorias de consumidores fiéis, eles providenciaram um jeito fácil de emburrecer as pessoas. Nos primórdios, o nível intelectual e de escolaridade do torcedor era só um pouco melhor do que os de hoje. Beirava também a debilidade mental. Burro, o sujeito não contesta. Não tem condições para isso. Não possui ideologia nobre, não pensa em se engajar em política. Não desenvolve o hábito de ler. Ainda mais textos complicados como os de sociologia, filosofia ou que descrevem o marxismo. Passa o olho nos noticiários policiais e se afunda nos esportivos o pouco que leem quando compram um tabloide popular em dias de segunda-feira.
Em vez de gastar com guerras e guerrilhas, sofrer baixas, os manipuladores da sociedade, imperialistas e anti ganhos sociais, usam o esporte para fazer com que a massa se carcoma quando eles precisam diminuir grupos. Gente atacando gente em nome do amor a seu time é o que se ouve falar quando eles querem isso. Eles mesmos incitam a violência e eles mesmos falam mal dela. Só não querem evitá-la. Há muita hipocrisia nesse meio.
Quando querem aumentar torcidas, eles engenham. Na verdade: eles enxergam os torcedores como adeptos. Cada torcida é adepta de um conjunto de dogmas. Se eles quiserem eleger um político, eles procuram fazer com que o tal político se pronuncie como torcedor de certo clube, dão visibilidade a esse fato e preparam o time em questão para ser vitorioso nos campeonatos que a cúpula que manipula as pessoas configuradas com a matrix do futebol, ou seja: os torcedores, administra. Se não der certo, às vezes a contraposição sai vitoriosa, eles costumam se vingar do meio torcedor, se ainda estiver em tempo ou no futuro, pela incompetência.
Vários clubes passaram por engenharia para terem suas torcidas aumentadas. Obtendo com isso favorecimentos de todo tipo. Jogadores na Seleção, títulos nacionais em grande número. De uma hora para outra acontecem esses feitos, mas ninguém repara que há algo de errado no andamento dos acontecimentos ou nas disputas. A massa alienada pelo futebol está incapacitada de não ser condescendente com isso. E o time que Pedrinho torce e faz uso para quem sabe menosprezar Tiaguinho é um desses robôs que têm recebido favorecimentos nos últimos anos. Pedrinho e seu avô estão sempre indo atrás de cenouras balançadas.
Na casa de Pedrinho, o avô o recebe voltando da escola. A cara de decepção que o garoto guardara para lhe mostrar logo ao portão deixou o avô preocupado. Este quis consertar. Deu seu riso que contagiava sempre os amigos e seus entes mais próximos e disse para o menino que ele estava prestes a ser mais uma vez campeão brasileiro e ainda assim estava todo murcho. Daí o menino foi lhe explicar o porquê.
– Ah, vô, quero saber disso mais não!
– O que que foi, menino?
O avô repreendeu o neto como se tivesse sido desrespeitado.
– Um menino lá da escola me falou que o time dele não ganha campeonato, mas que pelo menos a mãe dele não está presa. (...)
Contou todo o ocorrido para o avô o garoto Pedrinho. Este ficou injuriado. Quis ir até a escola tirar satisfação com a diretora como se Tiaguinho tivesse dito alguma ofensa. Só que ele iria quebrar a cara se o fizesse. A diretora ia dizer para o seu Omar que ninguém pode ser acusado de ofensa, preconceito ou discriminação só por falar o que pensa. Ainda mais que o que Tiaguinho disse para Pedrinho é que ele era feliz com os pais ao seu lado e não por torcer para o time que torce. E depois, falar contra o futebol não é crime.
O avô de Pedrinho, que nem se aproxima da qualidade cultural que possui o pai do Tiaguinho, convencia o filho a não se sentir menor por causa dos argumentos do outro e bolava uma resposta para que seu neto desse na escola no dia seguinte. E isso é o que vamos ver na próxima parte deste conto.