TUTANO*

Durante meus estudos sobre Programação Neurolinguística, solicitaram-me, diversas vezes, que eu me recordasse de momentos felizes. Em todas elas eu tive muita dificuldade, pois datas como o dia do casamento e/ou de nascimento de filhos, normalmente consideradas exemplos de alegria, foram para mim, no máximo, representações de ansiedade.

Assim, eu decidi que eu mesma providenciaria recordações agradáveis e inesquecíveis: eu me daria a festa de aniversário que eu nunca tivera (mesmo que fosse aos 50 anos) e que mandaria filmá-la! Isso decidido, tratei de contratar local, decoração, banda, serviços de buffet, bolo, convites e filmagens. Além disso, eu decidi que ela seria à moda antiga: com troca de vestidos e de sapatos, com todas as amigas vestidas de cor de rosa e com direito a valsar com os “namorados”.

Minha lista inicial de convidados chegou a 500 pessoas, mas diante do preço do buffet tive de reduzi-la a 250 e ainda morro de vergonha, quando encontro alguma amiga que o tamanhico do meu bolso não me permitiu convidar.

Hoje, quando já se passaram 10 anos, assistindo ao CD com imagens colhidas na noite de 04 de dezembro de 2004, eu vejo que o longo vestido vermelho de costas nuas, ressaltava algumas peles meio penduradas na altura das axilas e a barriga proeminente, mas nada me incomoda, pois minha alegria era sincera recebendo todos os meus irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos, e muitos amigos queridos.

Vejo-me também, no momento em que decidi encenar o teatro da minha vida: entrei vestida com um robe cor de prata, pantufas de coelhinho, fita de cetim nos cabelos, meias finas brancas, apertando minhas roliças coxas... No centro do clube foram colocados um grande espelho móvel e uma cadeira de princesa. Mirando-me nele, comecei a tirar a maquiagem, refletindo, em voz alta, sobre a razão daquele ato. De fato, para os amigos, eu justificava por que eu optara por recebê-los e não por um bisturi: eu precisava urgentemente de uma lembrança feliz.

A seguir, revejo o momento mais emocionante: minhas muitas amigas, vestidas com diversos modelos de tons de rosa, fazendo um grande círculo para impedir que os demais convidados vissem minha comadre Minã (Miriam Pestana de Oliveira) me ajudando a vestir o lindo vestido que sua mãe, Zelita Fernandes Pestana, fizera para mim.

Em dado momento, o círculo se abriu e eu apareci para os convidados com um curtíssimo vestido de organza branca, com muitos babados, sapatos de boneca, uma peruca preta (chanelzinha) e sobre ela um arquinho com muitas flores delicadas.

Sentei-me na cadeira de princesa, peguei a caixinha de música que eu ganhara de uma sobrinha e comecei a recordar que meu pai não estava ali para trocar os meus sapatos por outros de saltos altos. Neste instante, meu irmão mais velho, Nilo Franco Nunes, representando nosso genitor, calçou-me um lindo par de sapatos prateados e tirou-me para valsar, passando-me, a seguir, para os braços de meus outros 03 irmãos, até chegar a meu marido e aos meus dois filhos. Ao meu redor, minhas amigas, portando finas velas cor de rosa, acesas, valsaram com seus maridos, até que eu me aproximasse dos casais, soprasse e apagasse uma a uma.

A seguir, cantamos os parabéns tendo à frente um lindo bolo feito por Jandira e Almerinda, e foram servidos não apenas o delicioso jantar comandado por Magda e Rodrigo (Cerimonial da Praia), como os finos doces, presentes de Maria do Carmo da Silva Bordes, outra queridíssima comadre.

Depois foi só alegria, vejo meus amigos dançando, rindo muito, eu cantando... reparo em alguns olhos surpresos com a noite inusitada pela minha criatividade ou ousadia, mas ainda estão vivos em mim os muitos elogios, beijos e abraços que dei e recebi.

Dez anos se passaram e percebo que tenho o que eu idealizei na época: imagens de uma felicidade genuína! Elas e os muitos cartões que recebi naquela noite me confortam todas as vezes em que a vida faz eu me sentir abaixo da linha do rabo do cachorro sentado.

Sei que meu exemplo talvez não possa ser seguido por todos, porque ter imagens desse naipe demanda mais do que “querer e/ou poder”, exige “tutano” para assumir, publicamente, os valores que nos guiam.

* Coragem

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 04/12/2014
Reeditado em 08/12/2014
Código do texto: T5058853
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