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CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS (126)... O Boi de Kobe!
 
...Saber como envelhecer é a tarefa mais importante da sabedoria, e um dos capítulos mais difíceis da grande arte de viver. (Amiel)

Cá por mim, eu andei a fazer umas pesquisas no meu conhecimento oriental e só encontrei uma "camisa de macau"!... daquelas que se usavam em Angola e outros Países Africanos pelo clima e também pelos motivos óbviamente económicos. Então vamos aqui registrar algumas conclusões  da aprendizagem que lá tivémos.
 
Luanda, ... nos anos sessenta (...se senta aí!, onde tivér lugar para apanhar o trem da história da exemplar falha da construção da Caetanesca idealizada "commonwealth saloia") ela, a cidade de São Paolo D’Assumpção de Loanda,  sofreu uma enxurrada de água que quase arrazou todas as barrocas do "miramar"!...
Ora  bem, eu ainda não estava lá,  mas vi estas noticias no jornal do jornaleiro, que era ardina por profissão, sem carteira assinada, e por isso, fazia diáriamente uma jornada totalmente ilegal, e acima de tudo, naquele tempo eu era ainda um prótòtipo de jornalista marginal ou seja, eu era "contra...ventor" da noticia singela e simplesmente popularizada pelo grito! - olh'ó parada da paródia!... aprendi isto logo na saída do comboio em Santa Apolônia quando eu vim lá de “xima”.
 - A bem da verdade,  as minhas noticias da época eram tão baratas, mas tão baratas, que nem o marido delas, o tal do barato,  sequer me pagava por elas, e por isso eu não as publicava, nem de graça!...  
- Junto com essa enxurrada de água, que veio do céu,  e que chegou lá com o título de Ph D em arrazoadas discussões, em catramonzeladas ortográficas, em noticias erradas,  e depois esclarecidas na forma de "erratas" (que são nada mais nada menos que um mero artifício para o editor esconder  e desculpar aos leitores  a burrice dos autores de tais calinadas gramaticais) eu lá cheguei ali também como frequentador assíduo e diário da marginalidade.
(entenda-se : o verbete “marginal” aqui utilizado se refere ao facto de que as minhas maiores discussões eram sempre nas Esplanadas da Avenida Marginal de Luanda -   Após as "avé-marias"  perdido e achado, lá estava eu na marginal!... Junto com uma Turma de Grandes Amigos guardadas a “sete chaves” aqui num cantinho muito especial do meu cacifo de lembranças.
Umas vezes sentado para tomar a "bica" no café Bahia, outras vezes para espraiar a vista pela esplanada da "Arcádia" mas, infalívelmente, eu era um ferrenho adepto da avenida mais "marginal" da noite Luandense.   
- Eu vinha lá do mato...
Tinha passado um ano a trabalhar na Roça, porque a minha religião era diferente da dos "Sobas" autoctones, os quais, quando precisavam de mais um "sacho" para amanhar a terra, casavam com mais um "cafeco", e eles ficavam em casa a cuidar dos rebentos.
Elas é que se arrebentavam todas a roçar na roça, e os rebentos apareciam uns nove meses depois lá dentro de casa para o "Soba" cuidar!... eu não!
- Eu tinha que roçar eu mesmo, e nunca saía rebento nenhum porque ainda não era tempo de safra, se é que me entendeis... claro!   
- Explico: 
* "sacho" na minha terra é a mesma coisa que enxada!
* "cafeco" em linguagem mussele é uma raparigota já com uns 13 anos e acima!...
-  Como primeira missão emigrante que eu tive,  eu fui lá então nomeado aos 15 anos de idade como "capataz de roça", junto com dois ajudantes, que me ensinaram a arte de viver na terra dos "cafecos".
 (Entenda-se; eu era o capataz, mas eles é que me ensinaram a trabalhar na Roça de Café,  só porque eu era branco e, supostamente, eu tinha que ser amigo do patrão!...xiiiii!,... muy amigo!,...  esta foi boa!)
Assim se passaram os meus primeiros tempos - foram doze meses,  dos grandes,  a roçar por todo o lado, era roçado do meu corpo e o dos outros, especialmente o das outras!... 
- Eu já era um rapazote mas os "cafecos" sempre me inibiam na hora "H" e me chamavam de "minino" e eu reclamava, feito gente grande;
- olha aqui ó!,...eu já sou grande, oh... vê lá cum'é que falas, ouvistes??? 
... aca "minino" num grita não!
- Me respondiam elas com umas palavras que eu não entendia e por isso nunca registrei no meu computa a dor mental de as recordar aqui agora.
Porém algumas permanecem:
-  deixa mim lavá roupa p'ro minino, deixa...
-  tá bem!... tá bem! E elas lavavam na Beira do Rio! 
Tá bem, tá bem!...
Mas não me chama de "minino" não, porque eu já sou home!, tá bem??? 
- aca "minino",... olhe, si o minino pegar um "cafeco" assim bonitin como é eu, aatãn o minino vira patrão!...
- É!?,...
Sim Siô...  aqui o branco quando casa deixa de ser home " minino"  e se chama logo home  "patrão" mêmo!,...
- inté mêmo quando trabalha p'ro patrão mais branco!,..
-  Cê, entende?...
- explicava-me isto lá dos fundos da cozinha o velho Augusto, que era um cozinheiro de mão-cheia... mão-cheia mesmo!,... porque fazia cada prato que enchia as mãos todas de oleo de palma, de peixe seco, de muamba e de pirão!, eu hein!?...
- Mas a comida era memorável!... 
Para rebater tais sabores culinários só mesmo a Ti Julheta lá em Caravelas para lhe ganhar a palma ao Velho Augusto Cozinheiro lá na Roça!
Ah,... a comida da Ti Julheta!,... ah, que saudade!...
Naquele tempo,  nem que fosse uma só alheira tostada na brasa! 
- (a benção Mãe!...da proxima vez que aí for eu vou levar um monte de rebuçados, já que a Senhora gosta tanto)
Mas, .... voltemos à enxurrada de Luanda porém, antes quero aqui deixar um registro muito importante para quem gosta de comer a sua própria comida.
-Eu adorava comer,ainda gosto de fazer a comida e ir para a cozinha enquanto não chega a hora de lavar o trem,... (trem de cozinha é nome genérico que se dá aos tachos e panelas)
Já imaginaram lavar um comboio completo só com água e sabão azul!?...
Xiiii... um comboio!? --- sim!,... um trem não é um comboio, pá!?
- Deixa p'ra lá o trem, e vamos aos sabores porque esta conversa, não sabe a nada... vamos lá botar tempero e cor:  
 
* Açafrão é uma planta que eu vi a primeira vez há muitos anos  dependurada  na varanda lá de casa e depois de seca,  a Ti Julheta moeu-a todinha para fazer um tempero p'ra botar nas alheiras - quem quisér a receita me peça lá na página da Aldeia de Caravelas...  mas aviso, ela já s'acabou-se,  e hoje em Portugal não tem mais quem plante.
- è melhor importar dos vizinhos. 
 
* Turfa vermelha  é um cogumelo que eu apanhava no meio dos castanheiros já em finais de inverno, principio de primavera,  e também no Outono para levar para casa,  para assar e comer com batatas e azeite.
 - Quando ela nascia no tronco do castanheiros nós lhe chamávamos de "vaquinhas" porque além de vermelhas,  depois de cortada ao meio e assada na brasa, nada a diferenciava de um bom naco de picanha da terra do tal Gardel...
Em toda a minha vida,  e durante os anos em Trás-Os-Montes as comi bem poucas vezes. - Talvez se tenham também acabado para acompanhar o ex tinto, o ex branco ou até mesmo uma ex augardente!...
 
* Fugu é um prato Japonês, muito caro,  que eu nunca aprendi a confeccionar porque se trata de um prato, (ainda se fosse uma comida!...) além de extremamente caro é perigoso!
 - O prato pode até ser de barro mas o peixe é naturalmente venenoso,  e é comido cru...
Se o "sushiman" (eita,  nomezinho exótico este para nomear o chefe "mestre-cuca" - SUSHIMAN!...) se ele errar a mão, o FUGU mata o comendador, o comedor,  sabia?
Cuidado - nem todo o japonês é igual ao próximo, portanto cuidado com o FUGU, ele ama mais o "fuji ama" do que a própria natureza!...
( mas deixa p'ra lá o peixe e vamos à carne).
 
* Kobe é uma das ilhas Japonesas onde todo o mundo quer ser boi!, até à hora de ir para as mãos do "magarefe"! - Ali se cria o boi suspenso em uma rede, isto para que o bichinho não crie musculos,  que tornam a carne dura.
- Além disso o boi de Kobe tem direito por decreto culinário a tomar cerveja o tempo todo (não importa se é a "boa" da Juliana, ou se é a melhor que ela) e ainda recebe massagens diárias para relaxar o filé mignon... ó boi japonês mais macio que um marajá!, hein!...
 
- Depois deste intróito culinário, de bois sem musculos japoneses e vacas vegetais transmontanas, o que me veio à lembrança, na hora da minha chegada a Luanda com a enxurrada, como eu trazia comigo apenas umas "camisas de macau" e como não tinha dinheiro para restaurantes, nem cozinha para cozinhar, eu escrevia na lembrança estas coisas que nos traçam o destino até ao dia que Deus quisér. 
- Me parece às vezes, que cheguei a Luanda tarde demais porque a enxurrada já tinha passado. Outras vezes penso que cheguei cedo, jovem demais e com excesso de liberdade; --- eu que, sózinho na vida,  não soube aprender a me prevenir para tantas e tantas tempestades que aconteceram depois dessa memorável enxurrada! 
- Quem estava lá, certamente,  lembra-se disso melhor que eu!
- Ah, que saudades da velha camisa de macau, meia-manga arregaçada e a eterna carteira de tabaco a contrastar com o bom senso de ser saudável... tabaco!?...  nunca mais.
Luanda!?, talvez algum dia... in duko toléle...
Silvino Potêncio/Natal-Brasil -

 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 16/12/2014
Reeditado em 16/12/2014
Código do texto: T5071920
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