Ordinárias Crônicas Adolescentes - Matheus cap IX

IX

Bom, o tempo passou e nós acabamos indo embora para a casa, já estava muito tarde e tudo o que menos queria era arranjar problemas com a minha mãe. Cheguei em casa e ela não havia chegado ainda, tomei um banho e fui deitar feliz como eu não me sentia há muito tempo. Eram cerca das seis da manhã quando eu ouvi passos pela casa e reparei que era minha mãe chegando, não fazia ideia de onde ela havia ido e tampouco quis levantar para ver seu estado, estava com medo do que encontraria e também dela começar a me xingar gratuitamente como de costume ultimamente, então fiquei na cama deitado esperando o sono voltar, o que não demorou muito.

Acordei eram umas onze da manhã mais ou menos, fui à cozinha tomar café e dei de cara com minha mãe arrumada, de óculos escuros e pronta para sair novamente. Disse-lhe bom dia, ela respondeu normalmente e continuou a tomar seu café, fui arrumando o que ia comer e beber, quando sentei à mesa ela levantou sua xícara ao alto, com o dedo mindinho ereto e me disse o seguinte:

- Matheus, filho, vou estar fora durante todo o domingo, vou ajudar a Carmen, lembra-se dela? Ela vai receber alguns convidados em sua casa hoje para o chá de lingerie de seu segundo casamento, não me espere, provavelmente chegarei tarde – e com um ar esnobe e carinhoso ao mesmo tempo ela me fitou esperando minha resposta.

- Tá bom mãe.

- Para que você não fique sozinho o dia todo, tomei a liberdade de chamar seus amigos para virem aqui hoje e aproveitar o dia na piscina com você, falo do Henrique e da Melissa, claro.

- Tá bom, mãe, obrigado.

- Fique com Deus, filho – Beijou-me a testa e saiu.

- Tchau, mãe.

Primeiro pensamento: que merda é essa?

Segundo pensamento: Minha mãe ainda me ama! Tudo bem que ela foi estranha e tudo, mas o beijo na testa valeu meu dia, agora era só esperar o Cabeça e a Mel chegarem para eu xingá-los e agradecê-los.

Não demorou muito e a campainha tocou, eram os dois. Risonhos e com cara de “humm alguém aqui fez coisa errada” os dois entraram e me cumprimentaram e logo foram perguntando como havia sido a noite anterior e, antes que eu respondesse, joguei-lhes toda a minha raiva por não ter sido avisado de nada daquilo antes, porque sim, eu sou dramático e gosto de saber de tudo:

- Vocês dois são dois filhos da puta de merda, armaram tudo sem terem me contado nada, e eu aqui sofrendo igual uma menininha de doze anos apaixonada pelo menininho lindo e popular do colégio que joga futebol, vocês dois sabem muito bem que eu detesto me sentir assim, inseguro e idiota ao mesmo tempo, sem saber de nada e mesmo assim vocês fizeram isso, e você, senhor Henrique, até brigou comigo semana passada, aposto que foi tudo armado só pra me deixar desesperado e sem esperança e me sentir largado como uma lagartixa sem rabo. Seus merda. Mas, devo admitir, que agradeço a vocês, a minha noite foi ótima e eu tô feliz pra caralho, minha mãe não brigou comigo hoje e eu amo vocês. Mas nunca mais façam isso comigo, ok?

E os dois? Só riram de mim, não disseram nada a respeito e eu fiquei lá com cara de tacho assistindo aos dois rindo como se o mundo fosse acabar e eles tivessem que rir para se salvarem do apocalipse, então tive que adicionar:

- Reproduzam esse discurso à Tamara, se não for incômodo, por favor.

E, como isso, riram mais e mais, eu cansei e comecei a rir também, afinal, deve ser engraçado ver seu amigo dar um super chilique desses à toa e depois dizer que te ama, eu devo ter problemas neuróticos.

Após toda a risaiada, fomos a cozinha e o Cabeça me perguntou se tinha algo para comer porque ele estava morrendo de fome, eu disse que não sabia e que deveríamos procurar na geladeira e nos armários e que não tinha como comprar nada porque eu tinha pouco dinheiro. Melissa, que entende bem dessas coisas, fuçou bastante na geladeira e achou alguns tipos de carne e sugeriu que fizéssemos um churrasco, o problema era que ninguém sabia como ascender a churrasqueira.

- Não é só colocar o carvão e tacar fogo nele? – Perguntei

- Acho que não – Respondeu-me Mel – Meu pai faz todo um ritual, só que nunca prestei atenção, porque né, é coisa de homem, prefiro só comer

-Eu também, Cabeça, tu é o único hétero aqui, te vira – Eu falei.

- Mas eu nunca ascendi uma churrasqueira! – Protestou

- Te vira! – Gritamos eu e Melissa e depois rimos

- Será que no google ensina? – Apelou ele.

- Já te falei, te vira – Disse Melissa com uma cara que ele não respondeu mais nada e engoliu em seco qualquer resposta que tinha em mente – Eu e o Matheus vamos temperar as carnes.

- Vamos? – Perguntei.

- Vamos. – Respondeu ela.

Melissa às vezes é um pouco rude e mandona, dá até medo dela e do que ela pode fazer se não fizermos as coisas do jeito dela, mas sempre acabamos fazendo como ela quer porque sempre dá certo, ela é uma boa líder, ao contrário de mim e do Cabeça, nós dois somos duas lesmas lerdas. O Cabeça ficou mais de vinte minutos tentando ascender a churrasqueira, ele havia procurado no google e acabou achando um vídeo tutorial passo a passo que o ajudou, o retardado quase queimou a cara, mas eu puxei ele a tempo. Quando finalmente conseguiu, saiu gritando pelo quintal o seu grande feito e disse que não havia melhor churrasqueiro que ele na cidade, vale lembrar que ele deixou queimar duas asinhas de frango que Melissa não o deixou esquecer nunca mais desse erro.

Foi uma tarde incrível, nós conversamos muito sobre nada e sobre a vida, rimos, comemos e bebemos bastante, não aguentávamos mais ver carne na nossa frente. Brincamos muito na piscina e com alguns brinquedos da minha irmã, o que nos fez sentir crianças novamente e, do nada, Melissa solta:

- Eu sinto muita falta de ser criança, vocês sentem?

- Ah, era bom não ter nada pra fazer, mas não sinto não – Respondi.

- Não muito, eu não era uma criança muito infantil, mas por que isso? – Perguntou-lhe Henrique.

- Ah não sei, bateu uma saudade agora do tempo de criança... Mas deixa pra lá... Matheus, você não nos contou os detalhes até agora, queremos saber, conta tudo agora!

Sorri meio sem jeito e contei-lhes tudo e com detalhes, como me foi pedido, eles ficaram ali me escutando atentos e com cara de quem estava realmente interessado e feliz por mim. Confesso que me senti mais leve e mais seguro contando para eles tudo o que tinha acontecido, foi muito bom e tudo, mas eu ainda tinha medo. Não pergunte do que, mas eu tenho medo. A sorte é ter meus amigos para compartilhar esse sentimento, juro que sem eles minha vida seria mais difícil, não que ela seja complicada de viver, porém a amizade desses dois me põe na realidade ao mesmo tempo em que me põe numa zona de conforto da qual adoro disfrutar. Seria maravilhoso se todas as pessoas tivessem amigos e familiares assim, uma pena que nem todo mundo tem, eu gostaria que tivessem, assim viveríamos num mundo melhor. Filosofia à parte, disse a eles sobre o meu medo.

- Mas eu tenho medo, sabe?

- Medo de quê? – indagou-me Henrique.

- Não sei bem do que, mas é algo que me consome e me deixa com essa insegurança enorme e não me deixa pensar no que fazer e também não me deixa deixar as coisas rolarem, entende?

- Não – Respondeu Henrique

- Sim! – Respondeu Melissa e adicionou – Isso é bem normal, Matheus, mas eu acho que no seu caso você pode deixar rolar, dá pra ver que vocês dois se entendem e que vai dar certo, acredita em mim, e, mesmo que não der, pelo menos você vai se dar a chance de se abrir e experimentar algo novo, porque se você deixar o medo tomar conta de você sempre, você nunca vai saber como teria se sentido, dizem que é melhor ter feito algo do que se arrepender por não tê-lo feito.

- Nossa, isso é verdade, valeu Mel, só não sei como fazer isso – respondi meio atônito.

- Você vai saber na hora certa – Ela me disse sorrindo.

- Só cuidado pra não se abrir demais, vai que machuca! – disse rindo Henrique.

- Ai, que nojo, desnecessário – Exclamou Mel rindo.

- Babaca! – e tive que rir.

Continuamos na piscina e passada ao menos meia hora, meu pai e minha irmã chegaram da viagem, elogiaram nosso churrasco, fizeram mais e meu pai ainda foi buscar sorvete. Depois, chegou a Léa, que também se juntou a nós e ficamos ali nos divertindo e conversando, de repente, chega a minha mãe com uma cara nada amigável, mas ao contrário do que todos pensaram, ela entrou, trocou de roupa e se juntou a nós e todo foi maravilhoso, foi um domingo realmente feliz para mim, minha família e meus amigos harmoniosamente reunidos na minha casa, coisa inédita ultimamente.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 16/12/2014
Código do texto: T5072014
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