O HOMEM FELIZ

Existe um jingle bastante criativo que faz a inquietante pergunta: “o que faz você feliz?”. Nem é preciso pensar para responder: A família em primeiro lugar, - e aqui já se coloca a sua essência que é o amor -, o sucesso profissional e a saúde. Mas se a pergunta for direcionada para um lugar? Muitos responderão algum país da Europa ou uma ilha paradisíaca, o glutão talvez pense num restaurante, o religioso imagina o céu e alguém irá vislumbrar a sombra de uma árvore. No caso de quem gosta de escrever a resposta é óbvia: uma livraria. Se o escritor for um alfarrabista incorrigível, como é o meu caso, acrescentaria sem pensar uma peculiaridade: o Sebo. Ontem, no centro da cidade, me deparei com uma dessas livrarias especializada em textos antigos. É lá que eu me sinto bem e me perco no mundo da leitura. Eu tento evitar, minha casa já se transformou numa espécie de livraria do século passado. Assim, fingi que não vi a porta aberta, nem o sorriso da atendente - que deu mostras de me conhecer da compra anterior - perdida no meio de uma montanha de livros e que fizeram meus pés pesarem mil toneladas, paralisado pelo encanto do cheiro de livros embolorados que atingiam minhas narinas e me conduziam feito imã em direção à loja. Eu tinha compromisso, tentei recusar a tentação. Quem sabe se eu der apenas uma olhadinha rápida – pensei comigo mesmo – e no mesmo instante uma fumaça fina surgiu diante dos meus olhos incrédulos e aos poucos foi se transformando numa espécie de gancho e quando dei por mim, já estava dentro da loja folheando um livro do Neruda: “vinte poemas de amor e uma canção desesperada” – verdadeira relíquia que enfiei debaixo dos braços, disposto a levá-lo para casa e enfeitar a minha estante. Quem é a pessoa sem coração que se desfaz de um livro como este? Naquele instante eu poderia ir embora, já tinha em mãos a raridade que me ocuparia durante a noite por diversos dias, naqueles momentos em que o mundo se apaga enquanto o sono não vem, absorto numa espécie de bate papo com o poeta chileno. Mas eu queria mais e logo mergulhei numa outra prateleira, envolto pelos livros comidos de traça, perdido em mil anos de contos, romances e poesia. Os minutos se transformaram em horas, que foram passando e eu nem ligando, feliz feito uma criança que ganha um brinquedo. Lembrei de uma frase do poeta Mayakovsky: “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz”. Nunca duvide de um poeta. Olhei para fora, enquadrando meus olhos acima de dois romances do Jorge Amado, ao mesmo tempo em que juntava nas mãos “Jane Eyre”, uma raridade da Charlote Brontë, que algum desalmado dele se desfez. E sorri para um velhinho na outra ponta, que parecia inebriado e que dizia, na sua voz rouca, uma frase do Jorge Luis Borges, enquanto tentava ajustar os óculos: "os poetas, como os cegos, podem ver no escuro". E lá fora o mundo corria na ânsia dos infelizes apressados.