Um cheiro
Não era bonito nem um belo dançarino. Não era alto e não possuia uma
bela voz, era um cara comum desses que se encontra diariamente pelas ruas sem sequer notá-los. Mas era encantador, dono de um ver-
bo carinhoso, gostoso. Seu toque era sedoso, suave e firme. Era o que
se poderia chamar de um sedutor. Superava sua falta de beleza com a
gentileza e a delicadeza dos grandes homens. Era sensível, habilidoso
com as palavras e por isso nem se percebia que sua voz não era tão
vigorosa. Percebia as minhas vontades antes mesmo de eu manifestá-
las.
É um homem inesquecível mas, o que mais se destacava em sua per-
sonalidade ou em seu corpo era seu cheiro. Um cheiro indescritível,
não sei se baunilha, se amdeirado, cítrico, seja a definição que eu
der não vai conseguir avaliar, de forma alguma, aquele cheirinho de
um rapaz da minha adolescência. Veja você que passadas algumas
décadas eu ainda lembro dele e principalmente do seu cheirinho. É
engraçada essa coisa de lembranças, não é mesmo? Fica guardada
num escaninho da memória que de tempos em tempos se apresenta
como se tivesse acontecido hoje.
Quantas lembranças lembramos (meio redundância) mas é assim e
quantas outras estão encarceradas e nem lembramos de lembrá-las.
Apesar disso elas estão lá, só não temos a senha para acessá-las.
Nossos primeiros passos, a primeira vez que lemos, quando aprendemos
a escrever, o rosto de nossa mãe, de nosso pai, nossos amiguinhos de
infância, onde estão seus rostos?
Nosso olfato é mágico. Se hoje sentirmos um cheiro igual ao de um dia
de baile seremos capazes de lembrar de tudo que aconteceu naquela
ocasião. Eu lembro de um cheiro que me faz lembrar o local onde eu
estava, a música que tocava, a roupa e a cor que eu vestia. É muito
maluco isso tudo. Nosso cérebro é a nossa caixa preta.