Cérebro e Coração

Eu não paro para pensar. Não sobraria tempo para mais nada. Mas não deixo nunca de pensar: Estou sempre intrigado e com minha cabeça cheia de tempestade.

Acordei sóbrio com sensação de ressaca, mal consegui encarar o fato que precisava levantar da cama e lavar o rosto, beber um pouco d'água para tirar a secura na garganta.

Fiquei alguns minutos de cabeça baixa no chuveiro, tentando entender o que está gritando aqui dentro. Deixei a água bater e lavar, submeter sem forçar. Eu meio que contemplo o chão e me sinto em paz naquele momento, como se a água levasse tudo embora pelo ralo. Mas ela não leva...

Assim que saio do banho e me enrolo na toalha, tudo volta, toda aquela voz parece gritar ainda mais, parece se desesperar em querer sair pela garganta e além. Apenas visto minha velha camiseta, já bem gasta, uma cueca qualquer e um calça (os dias quentes deram trégua, pelo menos por hoje, e é possível usar uma calça). Saio do banheiro e mesmo dentro de minha própria casa vago completamente em rumo. Vou parar na cozinha, onde me sirvo de... Suco? Sim. Não quero a letargia do álcool. Hoje não. Nem sempre ajuda a encarar.

Sufocado por meus pensamentos, minhas preocupações. Quais são eles, ou elas? Eu penso em tudo, tento conectar cada fragmento do quebra-cabeça, tento enxergar tudo como um todo e não como fragmentos... E de repente, bem desse jeito, é como se eu fosse atingido por um raio.

Por instantes, parece que tudo se encaixa perfeitamente e me sinto capaz de responder como me sinto. Parece que tudo faz sentido. Não posso dar certeza, mas já é bom o bastante para saciar a curiosidade, minha e dos que se interessarem (ainda que quase não existam interessados).

E acho que no fundo, é um receio que aperto o peito e seca a garganta, de perder aquilo que nunca foi meu, nem nunca será. É uma sensação estranha. Mas o que na minha vida não é estranho? Queria entender isso também... Mas deixando tudo de lado, ainda tenho de almoçar antes de ir trabalhar e dar sentido a isso tudo (ou nada) que eu sou.

Cansado é uma definição. Me sinto cansado da minha mente neste exato instante. Cansado do fato que ela nunca se cansa. Cansado de me perguntar porque ela nunca descansa. Tudo nesse começo de ano está sendo um cansaço só! Até mesmo do medo de falar o que realmente quero falar e de fazer o que realmente quero fazer eu já me cansei.

Mas e daí? Isso nunca teve qualquer lógica.

Não é agora que vai mudar.

Sigo para o trabalho pensando, pensando em quê? Em mulher, em mistério, em compras de fim de ano postergadas, em presentes, em projetos, em poemas, nesta crônica, na maravilhosa ligação telefônica me convidando para qualquer coisa que não recebi durante o percurso até o trabalho, na minha vontade secreta (não mais) de atear fogo em igrejas, esconder bombas em sedes do governo, disparar contra figuras públicas, astrologia, testes de personalidade, sorvete de flocos, motores, animais (os meus), animais (selvagens), Branca de Neve, Arctic Monkeys, músicas para dar uns pegas no carro, comida chinesa, o mar...

- Cérebro, cérebro, cérebro... Até quando será tão ruidoso?

- Quando o coração deixar de ser intenso.

- A culpa agora é do coração?

- Sempre foi. Posso ser agitado e distraído, mas não sou eu quem insiste em te lembrar. Eu lembro, mas apenas porque ele, o coração, não me deixa esquecer. Acha mesmo que deixaria nós dois neste estado?

- Não sei. Você me parece um cara bacana, mas também é um grande filho de uma puta quando quer.

- Eu? Que calúnia. Sou meramente massa encefálica responsável pelas diversas sinapses que constroem sua cognição. Se faço bom uso do que tenho ao meu dispor, devo, e posso, ser culpado?

- Mas você engana o coração!

- Engano seu. É o coração que vive me confundindo! Afinal, chumbo trocado não dói e você sabe muito bem disso... Sabe porque eu sei!

- Sim, mas vocês dois podiam ser amigos.

- Nós somos, não se engane, é você que é nosso maior inimigo e amigo. Queremos te ver bem enquanto trabalhamos constantemente na direção contrária.

Até nesse tipo de diálogo idiota eu penso durante o trajeto.

O dia, pelo visto, vai ser longo...

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 04/01/2015
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T5090040
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