O Sací Pererê .

- "Miren ninõs, el archipiélago de "San Pedro y San Pablo" ! Disse a minha mãe, se referindo ao nosso conhecido conjunto de ilhotas chamado de "São Pedro e São Paulo", a cerca de 1.000 km da costa de "Natal". Assim foi , em espanhol ,que a minha mãe apontou para eles quando o navio passou calmamente por eles. Depois de quase duas semanas de céu e mar, eu via terra novamente, era o "Brasil", e nem sabia ao certo disso, só achei que eram rochedos com alguma vegetação, e um monte de aves marinhas, e nada mais. Confesso que com os meus quase oito anos, isso pouco dizia ...mesmo assim, me lembro daquela manhã, e do verde, muito verde daquela singular vegetação. O navio ora se aproximava, ora se afastava e nada víamos, a neblina provocada pela condensação matinal deixava um véu,... um véu verde e cinza claro...que se apagava...

No dia seguinte vimos a terra novamente, era a costa nordestina, ( Pernambuco) de uma vegetação densa e escura, ainda sombreada pela distância , mas me lembro bem de olhar pelo gradil do barco, e ver um verde mais escuro, manso, lindo...e o Brasil para mim ficou verde, como o vejo até hoje.

Um par de dias a mais e estavamos no "Rio de Janeiro", onde pisei em terra firme depois de muito tempo, e fomos almoçar, minha mãe , meu irmão e eu ( o caçula), antes , ela andara depressa para comprar café no mercado atacadista, para enviá-lo à " Espanha", pois nos anos 60 o café brasileiro era disputadíssimo na Europa, e ela era desembaraçada para conversar e negociar, uma mulher e tanto ! Com apenas trinta anos, muito bonita , chamava a atenção dos portuários, mas ela era firme e decidida, havia sido criada num caís de porto , entre barcos pesqueiros,e nada lhe era tão familiar, quanto aquele ambiente. Me lembro que o almoço foi num grande restaurante apinhado de gente de várias partes, e de gente do local, e tomei "Crush" , porque era o que eu mais gostava, e quanto a comida , tudo estava bom para mim, embora comesse pouco, mas não poderia faltar o sorvete de bolas, de chocolate, naquelas taças de inox.

Na rua ,lhe pedimos um gibí , que adoravamos , e ela nos comprou um do "Saci Pererê", do "Ziraldo", e um gibí da Disney, que logo abandonamos, pois o do "Saci" era muitíssimo mais interessante, nunca haviamos visto isso, e ela nem percebeu do que havia nos comprado ! Quando voltamos ao navio tomamos do pequeno dicionário,de bolso, e naquela tarde não lhes demos trabalho algum, tamanha delícia de leitura,enquanto saboreávamos as figuras coloridas daquela floresta mágica.

Imaginem o que foi para dois meninos espanhóis receberem um gibí ( tevéo) do Sací, ( moleque negrinho com uma perna só, fumando cachimbo ,na floresta), era "de pirar".. . ficamos enfeitiçados, e confesso que sou até hoje apaixonado por ele, pois a minha mãe nem percebeu, mas nos deu um presente maravilhoso.

Cada vez que vejo o Ziraldo na TV , a lembrança me vem, como também o meu eterno agradecimento .

Dias atrás um amigo , daqueles do tempo de Matusalém, me disse não gostar do Ziraldo, devido as suas convicções políticas, o que achei ridículo, pois nunca avaliei artistas desta forma. Para mim,a arte e o artista se fundem num tempo totalmente único, o qual não fazem parte do restante da realidade de fora, se é que me entendem ( ?).

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 08/01/2015
Reeditado em 09/01/2015
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