Ordinárias Crônicas Adolescentes - Matheus cap XI

XI

Não bastavam toda a escola saber da minha sexualidade, todos os meninos me chamando de viadinho e etc, todas as meninas dizendo que eu era um desperdício, eu ainda teria que conversar com a psicóloga sobre o assunto. Enquanto meus pais não chegavam, o que estava me deixando muito nervoso porque eu nem queria imaginar que tipo de escândalo a minha mãe ia arranjar, fui colocado numa sala de espera pequena, com vários folhetos sobre bulimia, anorexia, AIDS, gravidez, suicídio, coisas de adolescentes até que a psicóloga chegasse. Passados uns dez minutos, a tal mulher chegou. Estudo há anos nessa escola e confesso que nunca a havia visto antes na vida, ele é bem esquisita, baixinha, gordinha, óculos, cabelos cacheados e castanhos meio avermelhados, vestidinho curto florido com calça legging azul escura bem esticada e um ar de bondade falsa de quem esconde uma baixa autoestima.

Não desconfio da capacidade dela de ser uma ótima profissional da área psicológica, mas, há de se concordar comigo, que ela não passa credibilidade nenhuma. Ela veio sorrindo para o meu lado e mandou-me entrar em sua sala, lá me sentei e ela me ofereceu balinhas, óbvio que as aceitei, amo doce. Entretido com as balinhas, não percebi muito bem o que ela fazia antes de falar comigo, parecia que buscava meus registros na escola para verificar se eu tinha algum antecedente criminal ou algo assim. Finalmente, ela se endireitou na cadeira, sorriu, juntou as mãos e começou a falar:

- Bom dia Matheus, meu nome é Vânia, sou psicóloga dessa escola há sete anos e desde então venho fazendo um trabalho satisfatório com os alunos, pais e funcionários, provavelmente você vai se lembrar de mim.

- Na verdade, não, eu nunca te vi aqui, e olha que estudo aqui desde a primeira série.

- Ah, que pena, nós teríamos nos dado muito bem.

- Com certeza. – respondi com um sorriso forçado e falso, para falar a verdade, eu já a estava detestando.

- Bom, Matheus, o incidente de hoje é algo que causa trauma na maioria dos adolescentes, ter sua vida íntima exposta daquela forma pode acarretar em vários sentimentos e vontades e o melhor é que sejam evitados, por isso, eu gostaria de perguntá-lo, como você está se sentindo nesse momento em relação ao que aconteceu hoje cedo?

- Ah, tirando a vontade de socar a cara daquele filho da puta, tô bem. – Dito isso, coloquei mais uma bala na boca.

- Isso, um desses sentimentos que temos que evitar é o de vingança, que leva à violência e a escola não é o lugar para isso, é bom que possamos trabalhar isso em você para que você não se torne uma pessoa agressiva e queira sempre partir para cima dos colegas em qualquer ocasião...

- É só vontade, claro que não vou bater nele, até mesmo porque, se eu bater naquele menino, ele desmonta né, fresco...

- Isso, menos mal, mas você não pode também odiá-lo, você tem que entender que ele faz isso como defesa da própria causa, me entende? Ele tenta diminuir ou difamar os outros para que ele não se sinta assim, me entende? Ele é fraco e tenta se proteger dessa forma e é isso que vamos tentar evitar que aconteça com você.

- Olha, eu não odeio ele, só não quero mais contato com ele, só. Sei que é difícil ser alvo sempre das piadas e zoações de toda escola, já fui assim também e tô sendo agora de novo, mas isso não justifica fazer esse tipo de coisa, ainda mais comigo que nunca fiz nada com ele, acho que quem precisa dessa sessão é ele e não eu.

- Sim, Matheus, ele também virá aqui. Mas agora eu gostaria de te perguntar, como você se sente em relação à sua sexualidade?

- Como assim?

- Você tem certeza de que é homossexual?

- Sim.

- O que te faz ter tanta convicção?

- O fato de eu não gostar das meninas do mesmo jeito que gosto dos meninos.

- Apenas isso?

- Se quiser, posso ser mais explícito – Respondi já meio irritado.

- Não, acho que já entendi. – Respondeu ela com uma cara meio de nojo - E seus pais já sabiam antes de hoje?

- Sim, meu pai descobriu e me apoiou, depois minha mãe também descobriu e não gostou nada nada de saber.

- E como você se sente sobre isso?

- Mal, óbvio, ela é minha mãe, só queria que ela me entendesse, mais nada. Mas ela tá melhorando e eu nem tô sofrendo tanto assim.

- Sei, por que você acha que não tá sofrendo?

- Uai, porque eu não fico triste mais à toa, e nem brigo muito mais com ela esses dias e meu pai me apoia bastante, antes ele era estranho comigo, mas depois que ele descobriu, nossa relação melhorou cem por cento, ele é meu amigão agora, tipo o Henrique.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, alguém bateu na porta, interrompendo-nos para dizer que meus pais haviam chegado e que eu deveria ser liberado, para a minha alegria, porque a Vânia não estava me ajudando em nada. Despedi-me dela e fui indo para a sala do diretor calmamente até lembrar que era a minha mãe que estava vindo, o que, provavelmente, não seria nada bom.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 10/01/2015
Código do texto: T5097327
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