Ordinárias Crônicas Adolescentes - Matheus cap XII

XII

Meus pais já conversavam com o diretor quando eu cheguei e fui mandado mais uma vez aguardar até ser chamado por alguém, mas dessa vez ninguém me chamou. Achei que meu pai não viria, mas lá estava ele fazendo cara de tédio para o diretor, pude ver pelo vidro da janela e pelas frestas da persiana. Eles saíram da sala do diretor e foram para a sala da psicóloga conversar com ela sobre o ocorrido e sobre mim, eu já ia atrás, mas fui mandado aguardar novamente. Para diminuir minha solidão e ansiedade, o Cabeça saiu da sala e foi lá no corredor da sala do diretor aguardar comigo esse tempo que não passava nunca, ele trazia notícias da Melissa e do Breno.

- Contei pra Melissa e pro Breno a merda que o Gui fez – Anunciou ele ao chegar.

- E o que eles falaram?

- Melissa tá boladona, diz ela que esse menino sempre foi um babaca e que ele vai ter o castigo que merece e que isso não é coisa que se faça e mais um monte de coisas que não prestei atenção. – Disse ele rindo.

- E o Breno?

- Tá puto também, diz ele que se fosse ele no seu lugar tinha comido o Gui na porrada na frente da escola inteira, o que eu duvido, porque ele é quase uma lady. – Depois de ele ter dito isso, nós dois caímos na gargalhada e fomos conversar sobre outras coisas.

Parecia que o tempo não passava, estávamos lá sentados no banco do corredor da sala do diretor há apenas dez minutos, mas parecia que havia passado mais de uma hora. Não aguentava mais esperar, a ansiedade já tinha tomado conta de mim e não havia nada para fazermos além de conversar, o que me deixava mais nervoso. Para quebrar esse gelo, meu celular vibrou e, ao verificá-lo, uma mensagem do Breno acabava de chegar, fiquei um pouco alegre, pois deu para perceber que ele não estava com raiva nem nada de mim, a mensagem dizia: “Oi Matheus, bom dia! O Henrique me contou o que aconteceu aí na escola, como vc tá? Me fala tá, tô preocupado! Bjs.”. Claro que o Cabeça me zoou bastante antes de eu respondê-la, o que me deixou em graça, mas me fez esquecer da espera infinita e respondi assim: “ Oi, tô bem sim e vc? Vontade de meter porrada naquele fdp, mas já passou, então foda-se :D Bjs.”.

Logo após ter respondido à mensagem, meus pais apareceram no final do corredor e de mãos dadas, minha mãe vinha caminhado com aquele ar de superior que ela tem e meu pai vinha normalmente, mas os dois com cara de satisfação. Quando se aproximaram de mim, eu achei que minha mãe ia arranjar um escândalo, já até estava psicologicamente preparado para isso, mas ela simplesmente me perguntou como eu estava.

- Tô bem, mãe – Respondi meio sem jeito.

- Imaginei, vamos, hoje vamos ter o dia livre, vamos passear.

- Sério?

- Sério, só eu e você! Tchau, Henrique, até mais.

- Tchau, Sarah. Até depois mano. – Despediu-se Henrique de nós dois.

Entramos no carro da minha mãe e meu pai nos mandou ter cuidado, despediu-se de nós e foi para o trabalho, confesso que estava achando tudo aquilo muito estranho, pois os dois estavam muito calados, não disseram nada demais depois que saíram da sala da psicóloga e, para piorar, minha mãe estava calma e determinada a fazer algo de bom, o que sempre me fazia desconfiar dela, afinal, ela sempre foi meio ausente por causa do trabalho, dias assim, como o proposto hoje por ela, só aconteciam em datas comemorativas e olhe lá. Geralmente saíamos com a Léa, ela que sempre me levou a passeios e às compras, depois que cresci já ia sozinho mesmo.

Ainda bem que não criei grandes expectativas sobre o passeio de hoje com minha mãe, porque, sem criatividade como ela é e sempre foi, ela me levou ao shopping. Não que eu não goste de ir ao shopping, mas poderia ser um lugar mais interessante. Além de nem estar aberto por completo, porque ainda eram dez horas da manhã, tudo estava quase completamente deserto, exceto por mim e minha mãe e uma senhora com um poodle, todas as outras pessoas que estavam lá eram funcionárias das lojas.

- Vamos à praça de alimentação – Sugeriu ela.

- Tá bom – Aceitei.

Ficamos uns dez minutos pensando no que escolher quando finalmente decidimos tomar sorvete, era numa sorveteria a quilo, então me esbaldei. Coloquei todos os sabores de que mais gosto, mais caldas e confeitos de chocolate, frutas, jujubas e outras guloseimas mais, minha mãe fez o mesmo, parecíamos duas crianças que nunca haviam tomado sorvete na vida. Sentamos numa das mesas da praça de alimentação, que agora se encontrava menos deserta, mas continuava vazia e fomos conversando sobre o sorvete e rindo, até que não aguentei e perguntei como tinha sido a conversa com o diretor e com a psicóloga.

- Ah filho, o diretor começou falando que você teria problemas e tudo o mais e seu pai cortou ele dizendo que você nunca teve e que não era agora no fim do ano que você teria, aí ele nos mandou conversar com aquela mulher doida que disse que você parece ser bastante seguro do que é e que vai saber lidar bem com isso daqui pra frente. – Ela me respondeu olhando nos meus olhos.

- Só isso? E vocês demoraram tanto tempo por quê?

- Bem, primeiro eu pedi pra conversar com o menino que fez aquilo e com os pais dele, que estavam lá, e acabei com todos eles, disse que não souberam dar educação ao filho e por isso virou aquilo. Todo mundo ficou perplexo, mas seu pai riu e concordou comigo. Disse também que se ele fizesse mais alguma coisa contra você, eu mesma cortava a língua dele.

- Credo mãe, que coisa de psicopata.

- Ah filho, eu tenho que te contar, nunca tive nada contra gays, você sabe muito bem disso, mas quando eu descobri de você eu surtei, achei que todo mundo ia te fazer mal e pra piorar eu que fiz, fui rude, idiota, imbecil, não apoiei meu próprio filho, deve ter sido horrível pra você.

- E foi mesmo.

- Me desculpa filho, sei que isso não vai mudar o que fiz, nem nada que eu fizer daqui pra frente, mas tudo isso foi porque eu pensei no meu amigo Rogério.

- Quem é esse?

- Bem, quando eu tinha uns dezoito, dezenove anos por aí, eu tinha um amigo que se chamava Rogério, ele era gay, mas não tipo aquele menino da escola, ele era um gay que não chamava muita atenção e pouquíssimas pessoas sabiam dele, e naquela época também, era tudo diferente, não se revelava tanto isso assim. Só que ele, filho, era um pouco doido, saía à noite e ia ficar com vários caras, era apaixonado por um que tinha namorada, mas que ficava com ele ao mesmo tempo, uma confusão. Um dia ele foi atrás desse cara, não fez nada com ele, nem falou, mas o cara viu que ele perseguiu ele.

- E aí?

- Aí filho, que o cara brigou com ele, bateu muito nele junto com uma gangue e largaram ele todo machucado no chão na rua perto dum baile gay que ele sempre frequentava, daí outra gangue viu ele naquele estado, essas gangues que espancam gays e espancaram ele ainda mais e então ele morreu. Isso já faz muito tempo, mas eu sempre fico com isso na cabeça e depois de eu ter descoberto de você, eu só pensava que isso poderia acontecer com você e por isso queria tanto negar pra mim mesma tudo isso.

- Nossa mãe, que história horrível! – Respondi horrorizado.

- Pois é filho, espero que agora você me entenda, eu só tinha medo de te perder. – Dito isso, ela caiu no choro na minha frente, ali mesmo no shopping, desesperadamente. E eu também.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 14/01/2015
Código do texto: T5101542
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