O calhambeque abduzido!

Não lembro se o carro era um Prefect ou Perfect... Para aqueles que não sabem, Prefect, ou Perfect, é uma marca de automóvel inglesa que eu acho que não é mais fabricado. De qualquer modo, não consigo lembrar o nome certo e penso que a fábrica tenha fechado e não exista mais. Mas existia, e estas lembranças são sobre este carro que era fabricado antigamente na Inglaterra... Quando vi o carrinho pela primeira vez, foi uma paixão imediata e fulminante! Estava dentro de um galpão quase em ruínas, lá na Vila da Quinta, em Rio Grande, e o melhor de tudo é que estava á venda. Como os ingleses são famosos pela sobriedade ou, como queiram, falta de imaginação, a cor não poderia ser outra senão o preto. Alguém pintou uma flor amarela na traseira para quebrar a sisudez do automóvel que infelizmente estava em mau estado, pois o motor estava em outro lugar e nem tinha pneus. Além disso, havia crescido um pé de milho dentro dele! Depois de um “conselho de guerra” da turma, achamos que estava dentro das nossas possibilidades financeiras do momento e resolvemos bancar a compra do carro, que foi penosamente rebocado até um sujeito metido á mecânico que se dispôs a encarar o desafio de fazer o calhambeque andar. Depois de meses de intermináveis “consertos”, o carro ficou “pronto”. Quando digo pronto, caímos na relatividade, pois andar, até que andava, mas só com duas marchas, sem a ré e precisava ser empurrado para começar a funcionar. Além disso, o carrinho não tinha bancos, mas alguém conseguiu uma espécie de sofá velho que se encaixou quase que perfeitamente, resolvendo o problema dos bancos da frente. Na parte de trás, algumas almofadas e duas caixas de coca-cola vazias quebravam o galho. Também tinha alguns buracos no piso, o que era uma vantagem, pois além de refrigerar o interior, dava para ver a estrada passando por debaixo. Das duas portas, só conseguimos abrir uma, do lado oposto ao do motorista, mas tudo isso são apenas detalhes sem importância. O caso era que agora tínhamos um carro!!! Ah, tinha qualquer coisa errada com os amortecedores ou com a suspensão, pois o carro tinha uma enervante tendência a se inclinar perigosamente para a esquerda, o que desistimos de tentar consertar, pois o tal “mecânico” disse que era assim mesmo e que não era um problema muito sério, no que acreditamos, até pela inquestionável competência do sujeito, que na verdade era ajudante de pedreiro. Nunca consegui descobrir o ano de fabricação, mas suspeito que talvez tenha saido da linha de montagem lá pelos anos quarenta, talvez pouco depois da grande guerra. Circulamos impunemente durante meses, algumas vezes chegando até a praia, sempre á noite e por estradas secundárias para não dar muito na vista e escapar da Polícia Rodoviária. O carrinho foi um companheiro fiel de muitas madrugadas, quase sempre se comportando bem, apesar de apresentar algumas pequenas panes de quando em quando. Nada que não se resolvesse com alicate, chave de fenda, martelo, um pouco de arame e uma boa dose de paciência, além de se ter que empurrar pra fazer o motor “pegar no tranco”. Certa vez, recusou-se terminantemente a funcionar e tivemos que abandoná-lo em uma estrada deserta em plena madrugada para achar um reboque ou algum entendido em mecânica que fizesse o carrinho voltar a funcionar. Quando achamos alguém disposto e retornamos ao local, cadê? O carro tinha sumido e até hoje não sei quem o levou e para que. Que sacanagem, não? Nunca se soube o que aconteceu ! Simplesmente o carro se evaporou...Fico inclinado á pensar que o carrinho foi abduzido e está por aí em alguma galáxia distante sendo avaliado e estudado por seres extra-terrenos em busca de alguma explicação lógica sobre a origem do estranho artefato encontrado abandonado em uma estrada deserta no interior do Rio Grande do Sul em plena madrugada. Se assim aconteceu, duvido que encontrem algum significado para aquela flor amarela estampada na lataria ou achem alguma lógica para explicar um sofá dentro do carro... Além disso, o “abacaxi” de fazer o carro andar passou á ser de quem o levou e ainda por cima vai ter que providenciar documentos e pagar multas e impostos atrasados por décadas. Tem mais: não aceito devolução! Deviam ter pensado no caso antes de sumir com o simpático calhambeque e nos deixar a pé em plena madrugada. Não adianta reclamar que não existem peças de reposição ou que não dá prá fazer o motor “pegar” sem empurrar. Vão se queixar pro bispo, ou melhor, lá na Inglaterra com o Príncipe Charles que parece, ou é com certeza, um e.t.