Ilusão de ótica ou Devanéio

Do alto da janela do casarão centenário observo a rua de pedras escuras, nenhuma viv’alma como testemunha do que vejo, faz muito frio, imagino 5 graus negativos. Da janela embasada e encardida vejo com dificuldade o fim da rua, uma luz de pouca claridade mostra um vulto que a distância me parece um disco, logo penso ser voador, é um disco voador. Pensei em descer, mas logo mudei de ideia, não sei se tive medo ou se a perda de tempo ao descer os três andares pela velha escada de madeira eu perderia a oportunidade de ver o desembarque daqueles caras. Foi longa a espera, de repente a luz ficou mais forte, a impressão que dava é que estava chegando cada vez mais próximo. A essa altura já meio sonolento observei que a rua parecia com um dorso humano, as pedras tinham a aparência de uma pele envelhecida, gotas d’agua escorria como suor pelos poros que eu imaginava ser, era incrível aquela visão.

Ouvi um barulho que vinha do lado oposto ao meu suporto objeto de estudo, vinha de uma rua ainda mais estreita também com mesma aparência humana. O barulho ora aumentava, ora quase que desaparecia por completo, e isso me preocupava, queria ele vivo, ainda que me trazendo um pouco de pavor. A ideia de ver os pequeninos e o barulho que vinha do outro lado tornava o senário fascinante. Ao invés de descer pra rua optei por subir para a cobertura onde poderia ter uma melhor condição de observação. A situação melhorou muito, embora o frio congelante me ferisse os ossos. Agora eu podia ver toda a extensão da rua e o disco pareceu maior, ele tinha em sua parte frontal uma fachada de vidro que mais parecia um para-brisa de uma lancha náutica. Aí fiquei muito mais curioso, impossível naquele lugar haver uma lancha estacionada. A madrugada rompia silenciosa, embora esse barulho não fizesse parte do que eu considerasse barulho, se é que posso dizer assim. Eu ali louco pra que o tempo avançasse, queria ter o desfecho da história. E esses caras que não dão as caras, não desembarcam.

Perto de ter um troço, já não sentia os pés, os dedos das mãos formigavam já em processo de congelamento tive que retornar ao meu posto inicial de observação. O senário não mudava era o disco ali imóvel a minha frente, esse barulho que não sessa, o tempo que não passa, o dia que não amanhece! Eu precisava dormir, meu corpo pedia descanso, minha cabeça não contentava com a ideia de desistir da missão.

Acordei, e o sol já ia muito adiante, já passavam das dez da manhã, continuava frio, agora um pouco mais confortável, havia em mim um pouco de decepção por ter sido vencido pelo cansaço, ainda assim fui ao final da rua. Lá estava um lindo carro de pipocas sendo montado por um grupo de jovens. Era a semana das crianças e a festa já ia começar, quanto ao barulho não faço a menor ideia do que era.