CANTA TUA ALDEIA

Dizem que falo muito de Hulha Negra, brincam comigo que tal lugar faz parte da “grande” Hulha Negra.

Com pouco mais de seis mil habitantes, Hulha Negra é um município no sul do Rio Grande do Sul onde menos da metade da população vive na sede, com perfil típico dos gaúchos que se criaram na região. O município foi emancipado (criado) em 1992. Meu pai presidiu a Comissão de Emancipação. A família Canto chegou ao lugar em 1934. No meio rural, pequenas propriedades de famílias de origem alemã, agricultores oriundos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e algumas poucas fazendas.

A “Grande” Hulha Negra. Qualquer história “passa” por Hulha Negra. Até a do Superman.

A gauchada faz muita festa no mês de setembro, festejam a derrota na Revolução Farroupilha, 1835-1845. Conhecem pouco da história. A maioria, nada. Quem sabe que o General Neto proclamou a República Rio-grandense? Poucos. Que a sede do Rincão dos Neto fica em Hulha Negra? Um que outro. A República foi proclamada no Campo dos Menezes que atualmente fica nos municípios de Hulha Negra e Candiota. Terras que eram da família da minha tia Jaci.

A maior batalha da Revolução Federalista, 1893, foi a Batalha do Rio Negro, em Hulha Negra. Na ocasião, consta que trezentos foram degolados, mas na verdade parece que foram trinta. A degola era a forma de intimidação que os republicados haviam instaurado no Estado para acabar com alguns resquícios de monarquismo, mas em Hulha Negra foi vingança pessoal. Assunto mal resolvido entre líderes. Sobrou para Adão Latorre, o negro degolador, uma vez que não ficava bem dizer que degola era coisa de gente ilustre, condecorada e medalhada.

A história do Estado em Hulha Negra pode ser narrada de forma marcante, mas não vou alongar, que se eu começar a ampliar, não sei onde termino. Nem vou tratar de Onofre Pires da Silveira Canto (possivelmente meu tetra ou pentavô), mais conhecido como Coronel Onofre Pires, primo de Bento Gonçalves, expoente na Revolução Farroupilha. Nem de Borges do Canto que anexou ao reino de Portugal os Sete Povos das Missões. A história do Estado também é quase uma história da família.

Família que, segundo alguns, tem por patriarca Prince John of Kent (1327-1385), neto do Rei Eduardo I da Inglaterra e da Rainha Margarida, da Inglaterra, princesa da França, que se casou em Portugal com uma Judia Sefardita e deu origem a família “do Canto”, de cristãos novos. Judia Sefardita era uma judia oriunda de Portugal e Espanha. Pedro (ou Pero) Anes do Canto, tido como o patriarca por outros, seria trineto de Prince John of Kent.

- E quem seriam os outros?

- Um deles foi Alberto Del Canto (1547-1607), fundador da cidade de Saltillo, capital do estado de Coahuila, no México.

Dia desses, alguém me perguntou: - Tem algum mentiroso na família? Com pouco conhecimento de causa, respondi: - Antigamente tinha.

Dizia também: - Canta tua aldeia e cantarás o mundo.

- Quem disse isso?

- Leon Tolstoi (1828-1910), pesquisando no Google, em alguns artigos. Anton Tchekhov (1860-1904), em outros. Russos, foram contemporâneos, Anton morreu na Alemanha. Acha-se foto dos dois juntos. Porém, consta que antes deles, Máximo Gorki (1868-1936), que também era russo, havia dito: - Se queres ser universal, fale de tua aldeia.

- E onde esta história chega em Hulha Negra?

- É que todos eles foram influenciados por um filósofo alemão que, ao que dizem, nunca saiu de sua aldeia e se tornou universal, Immanuel Kant (1724-1804). Kant, da família Canto, em alemão. Deve ser parente.

- Só falta lembrar que o Superman é Canto?

- Isto deixa a turma alvoroçada. Sempre querem saber coisas que só na família sabemos.

- Por exemplo?

- Kal-El, o filho de Jor-El chegou depois (da família Canto em Hulha Negra), em 1938. Na Terra. Foi acolhido por Jonathan e Martha Kent tendo recebido o nome de Clark Joseph Kent.

- Joseph? Um dos presentes questionou.

- Sim, Joseph, que na família, quando criança, era chamado de Zezinho.