Lendo 'Graça infinita'

Começar a ler 'Graça infinita', de David Foster Wallace, não foi fácil. O que mais assusta os leitores, a meu ver, é o tamanho do livro: um tijolo de 1.136 páginas grandes, com letras pequenas. Mas não foi isso que me intimidou. Nem a caveira cor de abóbora da capa, enorme, sorrindo, olhando sem olhos para dentro de mim. Nem o fato do seu autor ter se matado aos 46 anos (por que motivo eu não sei, mas, para mim, se tiver uma explicação, pelo menos parte dela está em 'Graça infinita'). Eu não quero me matar, e não vai ser a leitura de um livro que me fará chegar a esse extremo, por mais desesperadora que seja a trama, por mais angustiados e loucos e maníaco-depressivos que sejam os personagens. Mas o livro não é só desespero não, tem muita coisa boa nele: amor, ternura, amizade, esperança.

O que me assustou mesmo foi a sua linguagem, a escrita de Foster Wallace. Eu nunca tinha experimentado nada parecido, nem com Jack Kerouac. É que antes de me aventurar em livros como esse (cultuados, misteriosos), eu os folheio, leio uma coisa aqui, outra ali, namoro-os por um tempo, e o que eu li de 'Graça infinita', confesso, me deixou um pouco apreensivo. Texto difícil. Radicalmente inovador, pelo menos para mim. “Vou ter que entrar a marretadas, quebrando pedra”, pensei (e lembrei-me da primeira vez que li Clarice Lispector...).

Navegando pela internet, descobri que existem guias de leitura de 'Graça infinita' em inglês, para ajudar leitores despreparados a avançar, a romper a selva densa e traiçoeira da narrativa, seus milhares de personagens (cada um mais doido que o outro), suas inúmeras tramas e subtramas. Há inclusive artigos acadêmicos analisando a obra, cheios de teorias (um dos autores até desenhou um esquema de conexões entre as partes do livro e seus personagens que mais parece uma estação espacial futurista, em formato poliédrico: uma loucura).

Mas comecei a ler o livro e estou adorando. Não é tão difícil depois que você se acostuma com o estilo do autor. Em três dias (e uma madrugada) li 106 páginas e 40 notas (porque mais de cem páginas do livro são de notas, reunidas no final, muito instrutivas, principalmente para quem quer se informar sobre sensações e efeitos colaterais provocados por remédios controlados e outras drogas). Por enquanto estou conhecendo os personagens, sobretudo os membros da estranhíssima família Incandenza, cujo patriarca, antes de se matar, produziu um filme que, de tão divertido, leva seus espectadores à morte (todos!). Sei disso porque as primeiras mortes já aconteceram, e, ao que parece, esse filme ('Graça infinita') é o núcleo da trama.

Daniel Galera, numa bela resenha do livro, diz que 'Graça infinita' questiona a obsessão humana pelo entretenimento. Interessante... Estou aqui pensando em shoppings, parques de diversão, cassinos, resorts, joguinhos de computador, redes sociais, baladas, esportes, drogas... Será que livros também? Meu Deus...

E que livro pesado! Quase dois quilos. Está difícil lê-lo enquanto pedalo na academia. Mas vou me ajeitando.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 05/02/2015
Código do texto: T5126521
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