Era dezembro, o sol estava escaldante e adentramos o velho ferry-boat, o mesmo de trinta anos. Continuava com o aspecto sujo, com cadeiras de plástico mal conservadas, algumas molhadas e transportava um número maior de pessoas que sua capacidade permitia. Mas havia um vendedor pitoresco que chamava atenção. Adiantei os passos em busca de um lugar ventilado e próximo a ele. Foi acomodando suas mercadorias no chão e sobre as grandes e altas lixeiras. Fazia tudo isso em silêncio e parecia cumprir um ritmo cadenciado. De repente, escutei uma voz:
- Bom dia! Me chamo Paulo Roberto, o Paulo, e trouxe essas bolsas para vocês. Vocês, então, me perguntarão qual é o preço delas. Não vão acreditar! – fez-se um breve silêncio no ambiente barulhento e ele continuou: - Nem eu vou dizer!
Ali estava um homem na casa dos quarenta anos, de estatura baixa, magro, com o bigode muito bem aparado, com os cabelos cortados, cujos fios estavam alinhados e exalavam um cheiro bom. Observei também que lhe faltavam alguns dentes. E, de maneira inesperada, o homem silencioso transformou-se em um rouxinol.
- Não faço propaganda de ninguém, exceto de Jesus, que nem precisa de propaganda. Mas temos aqui bolsas do artista Romero, coloridas, atuais e outras com estampa de onça, do pantanal, de flores...
Com a bolsa de Romero bem posicionada em um ombro e a de motivos florais no outro, o homem pequenino, vendedor licenciado e devidamente identificado pelo crachá, desfilava à frente do grande público.
- Veja! Com essa bolsa de Romero, você não precisa de maquiagem, nem de salto alto. Você fica uma diva! Não que você não seja uma diva, pois Deus fez você exatamente bela.
Permanecia, durante todo o tempo que falava, com uma postura ereta, com os ombros direcionados para baixo e o abdômen contraído. Enquanto isso, as pessoas, sobretudo as mulheres, agitadas com o calor, abanavam leques improvisados com papel ou revistas sobre seus rostos molhados de suor e perguntavam a Paulo quanto era a bolsa. Fingindo não escutar, ele prosseguiu:
- Veja com seus próprios olhos! – movimentava-se distribuindo as bolsas para as pessoas da frente, dos lados e as do fundo.
- Vou abrir para que percebam como é uma bolsa de qualidade. – puxava a bolsa de um lado para o outro como se quisesse rasgá-la.
Uma moça cujas musculaturas saíam pelas laterais que encontrava (como diria Ariano Suassuna) pediu algumas das bolsas que carregava no ombro:
- Paulo, deixa eu ver essas aqui! – tropeçando nas pessoas, ela conseguiu se aproximar do vendedor.
E ele dava continuidade a sua oratória portando uma bolsa de cerca de dez centímetros em seu ombro.
- Você sai apenas com seus documentos nessa bolsa pequena para dar uma volta, mas, no decorrer do passeio, decide fazer compras. Então, essa bolsa transforma-se numa linda bolsa grande. – ele mostrou como fazia para abri-la e aumentar o seu tamanho em mais de cinco vezes.
- Deixa eu ver de perto essas quatro que estão em seu ombro. – disse uma senhora com ar de desprezo, usando óculos de marca e vestido de renda Richelieu.
Ele se mantinha atento a cada movimento, embora desse a impressão que não estava muito preocupado em controlar quantas bolsas distribuía. Parecia que ia perder o controle da situação e ele persistia:
- E se você decidir ir ao Shopping, pode transformar a sua bolsa pequena em uma bolsa alinhada. Você vai me perguntar: “como”?
- Como? - as mulheres indagaram em um único som e algumas não conseguiam se manter sentadas, pois estavam agitadas e curiosas.
- Veja você como é: há um botão de pressão nas laterais, ajeite assim. – Paulo foi pressionando os botões de cada lado e repetia:
- Ajeite assim e assim. Você está super.! – enquanto isso, pôs mais bolsas sobre os ombros e falou:
- E você me pergunta: “Paulo, quanto é”? – todos silenciaram. - Eu lhe respondo: a pequena somente dez reais. Lhe digo que não paga nem o éclair. – balançou a cabeça de um lado para o outro, abriu suas mãos e as levantou como quem pede concordância.
Ao olhar para trás, notei que as pessoas estavam perplexas com a desenvoltura, a eloquência e com o encantamento que Paulo exercia sobre elas. Nisso, iam pagando as bolsas enquanto outras as manuseavam no chão e sobre as lixeiras.
- Você vai me dizer: “mas, Paulo, eu não tenho dinheiro”. – ele acenou com o dedo de um lado para o outro, simbolizando um não.
- Eu lhe respondo que isso não é problema. Você tem cartão? – abruptamente, puxou a máquina que estava dentro da pochete.
- Pode pagar com cartão? – perguntou-lhe um senhor que estava seduzido pela bolsa de onça para presentear sua jovem senhora, mas, possivelmente, não tinha dinheiro em espécie.
- Aqui a gente resolve tudo. E você me diz: “Paulo, mas não pode ser em débito em conta, pois eu não tenho dinheiro para esse mês”. Eu lhe respondo que não tem problema, use seu cartão de crédito.
Enquanto desfilava e falava, distribuía a máquina de crédito para qualquer pessoa. Era incrível! Ele deixava a máquina e as bolsas e se deslocava em outra direção. Eu já estava com o pescoço doendo de tanto acompanhar os seus movimentos. E, embora parecesse que tinha um olhar despretensioso, tudo era orquestrado e preciso. Sabia onde estava cada mercadoria e voltava para recolher o dinheiro ou os comprovantes do cartão
- Quanto é mesmo, Paulo? – indagou uma jovem branquinha com uma criança no colo e outra no ventre, carregada de sacolas.
- Somente dez. – imediatamente, descansou outras bolsas no ombro.
Mais pessoas iam se interessando e manuseavam, no chão, as várias bolsas e sacolas. E a soma de dinheiro aumentava. Para minha surpresa, a mulher de óculos de marca e roupa de Richelieu comprou cinco bolsas pequenas e depois, mais cinco. Ele recebeu as duas notas de onça, de forma a parecer displicente ou corriqueiro e as depositou no bolso da camisa dando prosseguimento:
- Um dia você quer sair com uma obra de arte. E por que não? Veja essa bolsa com uma pintura diferenciada com traços fortes, alegres. Vai de Romero que você estará arrasando! – pondo mais uma bolsa sobre seus ombros, Paulo adiantou-se para alcançar um comprovante de cartão.
Voltando o meu olhar, notei que o salão já estava repleto de pessoas usando as bolsas de Paulo. E ele não se dava por satisfeito e procedeu o discurso:
- No outro dia, você quer sair de Pantanal para combinar com seu biquíni floral. Mas, por favor, que ele não seja pequeno demais a ponto de aguçar desejos não sadios. – disse Paulo levantando uma sobrancelha e dando uma piscada de olhos.
E a mulherada comprava agora mais bolsas florais. Eu já estava exausta de tanto olhar. Era inacreditável! E o homem era incansável!
- Se quiser parecer uma onça, por que não? Você ficará estilosa com essa bolsa. Apenas um detalhe, um belo acessório, e muda tudo. Levanta a roupa, dá um up! – neste instante, dirigiu seu olhar para uma senhora com uma roupa bege e chamou a atenção dela.
- Eu quero a de onça. – prontamente respondeu a senhora bege e foi colocando a bolsa sobre os seus ombros e deixando na mão de Paulo mais uma nota de dez.
- E por que não combinar sua bolsa com uma linda e resistente sacola de viagem? Veja como ela é resistente! – ele a puxa para um lado e para o outro para testar sua elasticidade e continuou falando: - O tamanho dela é perfeito. Não é pequena que não possa carregar o que precisa e nem é grande a ponto de deixá-la deselegante ao carregar mais coisas. – falou Paulo simulando uma pessoa carregando uma sacola pesada e se curvando para o lado direito. E, com a destreza de quem conhece muito bem o seu público, adiantou-se:
- Mas você pode me dizer: “Paulo, já estou com a minha sacola de viagem, afinal de contas estou indo passar o feriado na Ilha de Itaparica”. E eu lhe digo que essa é a grande oportunidade para mudar, para ficar diferente. Sabe aquela coisa de chegar chegando? Não que você precise disso, porque basta você chegar em um lugar que todos a admiram – argumenta, esboçando um sorriso.
Ao olhar mais uma vez para o fundo, observei que as pessoas continuavam interessadas e só lhe restavam duas bolsas.
- Você vai me perguntar qual é o nome dessa loja e eu vou lhe dizer: Shopping Chão do Paulo. Aqui tudo é beleza e tudo se resolve!
Confesso que já estava atrapalhada com as contas e com o número de bolsas que ele tinha vendido. Além disso, fiquei pensando na fortuna que as pessoas investem em cursos ineficientes de marketing e de vendas, sem ao menos terem conhecido o PROFESSOR, com Ph.D., que conta para os bons observadores todos os segredos de vendas e transforma a travessia na Baía de Todos os Santos de cerca de cinquenta minutos em uma viagem divertida, inusitada e riquíssima. Concluo dizendo que só no Brasil para encontrar alguém com tanta sabedoria, criatividade, precisão e, sem dúvida, necessidade de sobrevivência.