MIL NOVECENTOS E SETENTA E SEIS

Assim como meus dezesseis irmãos, nasci de parto natural, em casa, trazida ao mundo com a ajuda das mãos abençoadas de uma cachimbeira. Imagino a emoção de minha mãe ao segurar no colo a “neguinha da cabeça pelada”. Era o tempo que nem televisão a gente tinha em casa. Nem eletricidade, salvo engano, mas boas e fiéis lamparinas para clarear as camarinhas. O que se sabia do mundo era pelo rádio.

[...]

Anos antes de partir, minha mãe me deu uma espécie de vestidinho, amarelado pelo tempo, pra que eu guardasse comigo:

- Foi comprado para o seu batizado, mas demoramos alguns dias e se perdeu: as manguinhas ficaram apertadas!

Ah, meu Deus! Eu e meus bracinhos fortes!

[...]

Bom, passaram-se anos, exatos 39 anos. E o tempo, como bem sabemos, traz marcas. E eu tenho as minhas. Muitas! As percebidas esteticamente, e as ocultas, de caráter emocional, que embora não sejam vistas, fazem parte do que eu sou.

Tenho marcas de solidão, de dor, de saudade, de feridas que parecem ainda abertas, de ingratidão... tenho também marcas de momentos inesquecíveis de festa, de alegria, de conquista, de superação, de batalhas vencidas, de graças alcançadas, de projetos concluídos, e de sonhos realizados. Tenho as marcas estéticas, sim! E elas aumentam cada dia mais, se tornando visíveis a cada olhada no espelho. Mas isso não me preocupa tanto, diante de infinitas outras coisas que devo priorizar.

Fico me imaginando com uns sessenta e poucos anos, como será minha cara, meu humor (eita!), e talvez eu não seja uma senhora simpática, ou pode ser que sim, de repente, se as pessoas mudam, ou se eu mudo, e passo a rir de bobagem como se fosse normal... É, decididamente, esse negócio de simpatia não é comigo.

Diferente do que algumas amigas dizem, não tenho nenhum parentesco com “Seu Lunga”, minha personalidade forte, e a tolerância zero para muitas coisas (e muita gente, rs) é herança genética. Minha mãe era muito eu. Ou eu sou muito minha mãe (?). Mas ela parecia mais feliz, mais sábia, ria naturalmente das coisas da vida, camuflava a dor. Era contente com o que tinha e ainda dava graças a Deus.

Comigo essa coisa de ser feliz é mais complicada. Eu não entendo bem esse lance, embora não seja de reclamar da vida. Até me contento com o que se me apresenta, o problema é interior, é dentro de mim que as coisas não se resolvem.

Mas, enfim, meus trinta e nove chegando... e o balanço que faço de todos esses anos é bem positivo. Sou grata à vida, por tudo o que ela me traz de experiências: família, amigos, faculdade (último ano, viva! “Antes tarde do que nunca”), trabalho... tudo dando certo. O quê mais posso querer?

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 12/02/2015
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