A noite às vezes me pega acordada

A noite às vezes me pega acordada

12:20 Mariana Moraes 0 Comentarios

A noite às vezes me pega acordada, pouco envolvida pelo edredom que aquece meus pés gelados. Ela me flagra admirando o mesmo teto de sempre à pouca luz que meu quarto permite entrar pela janela de cortinas dançantes. A gentileza nos movimentos dos panos convida o sereno para me abanar. O silêncio que a noite traz consigo ao me visitar dá a oportunidade da minha mente falar em tom alto, pela primeira vez no dia, comigo mesma.

À claridade do dia, pensamentos vêm e vão com tanta rapidez, ideias surgem e desaparecem abruptamente sem nem ao menos eu conseguir pensar em compô-las. Mas a noite é o meu momento. É a madrugada que ouve o repertório da minha vida, a destreza da minha poesia, a serenata que recebi e a angústia que sofri. Ela me deixa espaço para fazer quaisquer planos. Esses que estou sempre reinventando em minha imaginação tão viva e inconstante. Muitos deles, porém, ainda são os mesmos. Não que eu tenha medido esforços, é que nem todos os caminhos têm atalho. E alguns são espinhosos, outros de difícil acesso, mas são trilháveis. Afinal, entendo que somos pacatos sonhadores, cada um com sua subjetividade, desbravando o mundo da maneira que lhe convém.

Colocando-me à mercê de todos os meus sentimentos e vivências, contei ao escuro da noite sobre como eu sinto falta da minha pouca idade, quando eu beirava os sete. Eu me lembro das tardes de desenho e leite morno, vivendo apenas naquele pequeno mundo que a mim foi apresentado até então. Gosto de pensar que já senti a textura dessa minúcia, dessa simplicidade. Faz-me bem recordar velhos momentos. Perto das três da manhã, porém, faço um importante ressalvo do agora, dizendo a noite que eu continuo pregando palavras e borrões pelos papéis quando assim for possível. Que eu estou amadurecendo as concepções, mas também me percebo divagando pelos arredores das minhas estradas. Ao final de sua afável visita, a madrugada se desvanece sutilmente entre as cores de um céu destemido de limites. É por isso que nos damos tão bem.