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“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades...” depois que todos cantaram essa música, Sílvia sentou-se ao lado de Patrícia, uma velha amiga, para se queixar. Repetiu aquela velha ladainha que quando encontra alguém é só para uma noite:
Pô, vei! Esse negócio de felicidade que a gente fica cantando... tô aqui danada da vida! Você acredita que saí ontem pra uma balada e rolou um clima com um gato a tal ponto que demos uma esticada? E, até agora, o cara não me ligou? – murmurou Sílvia com a testa franzida, esboçando um ar de admiração e também de tristeza.
De novo, Sílvia! Acho que ouvi essa estória na semana passada. É o mesmo rapaz ou é outro? - falou Patrícia ajeitando o seu vestido soltinho.
É outro. Ele é amigo daquele da semana passada. Você acha que tem problema, Pati? – olhou para seu rosto, fazendo uma cara de choro e controlando-se para não manchar a maquiagem.
Sil, veja bem, você vive dizendo que não consegue ter uma relação duradoura e vai procurar um cara que curte balada? – foi tirando as sapatilhas da direção dos pés de Sílvia, pois seu Peep toe já tinha amassado seu dedão do pé.
E onde eu vou encontrar o amor da minha vida?
Acho que a probabilidade de você encontrar alguém na balada que curte balada é quase 100%, mas se está querendo um relacionamento estreito, mais duradouro...
Pô, você acredita que até comprei uma imagem de Santo Antônio e coloquei no escritório? Pensei até em imprimir uma imagem pequeninha no meu cartão de visita. – falou com seriedade.
Pelo amor de Deus, Sílvia, você está desesperada! – não conseguia parar de rir.
Me produzo toda, gasto uma nota no salão para fazer a sobrancelha fininha, alisamento e luzes no cabelo comprido, depilação incluindo cantinho e X2. Além disso, faço tratamento de pele para deixá-la sem mancha, coloquei silicone em seios e nádegas, malho duas horas por dia e nada acontece! – seu tom de voz ia aumentando como se quisesse que o mundo a escutasse.
Sílvia, fale sério: você acha que uma história do amor é fruto do acaso ou de fórmula? – olhou bem fundo nos seus olhos.
Lá vem a engenheira com ideia matemática até para o amor. – endireitou-se na cadeira, consertando a postura e o decote da blusa animal print que já alcançava o umbigo.
Não acredito que você ainda tem paciência para conversar sobre a vida amorosa de Sílvia. – falou Cintia, amiga em comum, solteira e mãe do aniversariante de cinco anos, apressada e correndo para pegar um doce derrubado no chão por seu filho.
Pois, fique sabendo, Cintia, que todo mundo critica esse papo de encontrar o amor, mas esse assunto esteve presente nas rodas de conversa da minha bisavó e, ultimamente, é notado, muitas vezes, nas entrelinhas e outras, nas linhas. Eu digo mesmo que eu quero encontrar um amor até na festa de Luizinho, seu filho! – falou exasperada e mexendo a sua longa silhueta.
Cintia estava muito ocupada para dar ouvidos à Sílvia, entretanto Patrícia tinha toda paciência do mundo e estava ali para ajudá-la.
Você sabe que o número de pessoas solteiras vem aumentando e que nas grandes capitais já passa de 40%? – disse Patrícia com seriedade.
Tá vendo, irmã, tô ferrada! – fazendo uma careta de dar dó.
Li recentemente um artigo no jornal que falava disso. Os jovens alegam que são muito novos para se amarrarem a alguém. Nas festas, as relações são superficiais e, em muitos casos, não há conversa (tem barulho de som alto), mas é possível beijar e até ir além. Ao entrarem no mercado de trabalho argumentam que falta tempo. Depois dos 35 anos revelam que não encontraram a pessoa certa ou dizem que estão solteiras por opção. – explanou com cuidado.
Pois é, e eu estou numa idade que não me favorece, beirando os trinta e cinco. Não quero ficar solteira o resto dos meus dias. Então, você concorda comigo que tenho que fazer alguma coisa? - disse Sílvia com olhos lacrimejando.
Antes de qualquer coisa me responda: você escolhe relações estreitas ou as superficiais? Vive baixando aplicativo para acordar de manhã com voz estranha e outro para conversar no anonimato?  Pretende adquirir o aplicativo em que se compram abraços?  
Não é só uma questão de escolher, eu não acho a pessoa certa. Quero mesmo uma relação estreita, porém as pessoas só querem as superficiais. – resmungou Sílvia.
Sil, vamos rever alguns pontos da sua vida. – falou Patrícia, levantando-se.
Oi, minha linda, senta aqui no meu colo. – Sílvia disse para a filha de Pati, tentando pôr no colo.
Desculpe, querida, mas tenho que levá-la ao banheiro! – pegou a mão da sua filha e adiantou os passos.
Patrícia seguiu caminhando de forma graciosa e fazendo seus cabelos longos cacheados se anelarem ao vento. Enquanto isso, Sílvia a olhava e com certeza, pensava: “como é que ela arranjou um marido? É simples, natural, não pinta as unhas, não usa sapatos altos e não acompanha a moda!”.
Voltei, Sílvia, e, retomando aquele assunto, lhe digo que o amor não é só matemática, mas devo lhe dizer que, recentemente, li um artigo do Tess Felder no New York Times em que ele falava sobre uma pesquisa realizada por Arthur Aron há vinte anos. Ele juntou pares de pessoas para se encontrarem no laboratório e ficarem conversando, respondendo a uma série de questões que iam desde o trabalho até às relações familiares. Depois, mantiveram-se em silêncio, olhando um para o outro por quatro minutos. Lembre-se de que não era comum o uso de celulares – Patrícia discorria sobre o assunto com propriedade e seriedade.
E deu certo?
Sim, houve bons resultados...
Você acha que eu deveria promover uma festa sem celular, sem barulhos e com as normas acima? – falou a advogada toda animada, como uma criança que aguarda receber o brinquedo mais esperado.
— Pode ser um caminho, minha amiga. Parece uma viagem! Muito louca! Mas...
— Não sei se teria coragem de promover uma festa dessas. Ficará claro que estou solteira e caçando!
— Que tal começar com pequenas ações?  Visitar lugares menos barulhentos como livrarias, museus, grupos de leitura e manter o celular desligado durante as conversas. Você vai me dizer: “pô, tô ferrada, vou pro Carnaval!”.  Como a gente gosta de andar na contramão. Imagino que até para recorrer a Santo Antônio, precisa-se de um empurrãozinho. Parece tão fácil se relacionar! É só olhar nos OLHOS e CONVERSAR, conversar...e depois manter TUDO isso.