Ordinárias Crônicas Adolescentes - Melissa cap I

I

Eu acho que eu preciso de férias. Ir para um lugar bem longe de todo mundo e respirar novos ares, não aguento mais a pressão da escola, dos meus pais e da minha família para que eu seja a menina brilhante a passar no vestibular de medicina, eu não posso ver sangue e agulhas que passo mal, sinto calafrios ao entrar num ambiente hospitalar e, sei que parece um pouco de exagero, mas sempre sinto náuseas ao ver alguém morto, mesmo que seja num velório. Por isso, cheguei a uma conclusão há meses: não farei medicina, no entanto, tampouco sei o que farei. Não comuniquei essa minha decisão a ninguém, vou deixar como se fosse uma surpresa, acho que será mais fácil. Deve ser por isso que ando tão estressada e esquecida. Ai, eu só queria sumir.

Pensei em comunicar minha decisão ao meu melhor amigo, Rique, mas ainda não me sinto pronta para tanto, não me pergunte por que. Ele me apoia e me dá conselhos sempre, mesmo que às vezes eu tenha vontade de matá-lo quando faço algo errado e ele sempre vem com aquele “Te avisei” que me dá nos nervos, ele nem considera minha tristeza, choro e o fato de eu ser uma menina sensível. É, nem tanto. Pensei também em contar ao Matheus, acho que ele me entenderia melhor por ser gay, mas depois cheguei à conclusão de que ele é muito arrogante e egoísta para pensar na minha indecisão quando ele se encontra na mesma situação, além disso, se eu contasse para o Matheus antes de contar ao Henrique, este me mataria por ciúmes, afinal, sou amiga dele primeiramente.

Mas nem é só isso que me deixa confusa ultimamente, eu tenho dezessete anos, quase dezoito, e nunca tive um namorado, isso é tão triste, porque eu quero me casar logo após a minha formatura e, para isso, preciso de um relacionamento sólido e duradouro, mas parece que nada dá certo na minha vida. Primeiro, o garoto que eu fui apaixonada a minha vida inteira quase se assumiu gay (preciso dizer quem?) e meu mundo desmoronou, pelo menos ganhei mais um amigo verdadeiro, por mais que impliquemos um com o outro na maior parte do tempo. Segundo, outro garoto com quem eu fiquei algumas várias vezes e que por quem eu começava a me apaixonar, mostrou-se ser um tremendo dum canalha, babaca, tarado e filho da puta. Assim não dá. Desde então, eu não fiquei com ninguém, minto, ninguém com quem eu veja meu futuro casamento, creio que não é preciso entrar em detalhes.

Logo, revoltada da vida como tenho estado, eu ando saindo muito, fazendo algumas doideiras, mas nada que seja preocupante, ao menos, essas saídas me deixam mais aliviada e recarregam as minhas baterias para a semana na escola e em casa. Esqueci-me de mencionar, sou bolsista na escola onde estudo e, por isso, há tanta pressão para que eu me dê bem em exames de ingresso em universidades e que os cursos escolhidos tenham renome, para que eu me torne propaganda grátis da instituição e o orgulho dos meus pais. Na verdade, a escola só quer que eu passe bem colocada no que quer que eu escolha, o problema mesmo são alguns professores e, óbvio, a minha família. Esta é a mesma escola na qual meus amigos, Henrique e Matheus, estudam, porém eles estudam no turno da manhã na mesma sala, e eu no turno da tarde. Não tenho muitos amigos de colégio, mas tenho duas colegas com as quais convivo até bem, apesar de elas me darem nos nervos com suas manias de patricinha rica e suas extravagâncias, são elas a Lara e a Juliana. A Lara é meio porca, se você olhar para ela, nunca ia pensar isso dela, mas acredite, ela é. Ela é daquele tipo patricinha loira, bem vestida, bem maquiada, não muito alta, magra e com seios bem grandes para o tamanho dela (confesso que a invejo de vez em quando, apesar de suas constantes reclamações de dores nas costas). Para você entender o nível, nessa quarta-feira, durante o intervalo, nós três fomos ao banheiro e o que saiu da boca dela foi o seguinte:

- Ai gente, tá saindo cada gosma de sangue preto de dentro de mim hoje – Ela começou.

- Que nojo – Protestamos eu e Ju.

- Até parece que de vocês não sai também, tá com um cheiro diferente, será que é normal?

- Você cheirou o absorvente sujo? – Perguntei.

- Cheirei, e daí?

- Eca, por que você fez isso? – Indagou-lhe Ju.

- Porque eu queria saber qual é o cheiro, vai falar que vocês nunca fizeram isso?

- Não! – Respondemos numa só voz.

Acredite em mim, isso é o de menos dela.

Nesse dia, voltei para a casa como normalmente faço, porém sem a companhia do Rique, que mora no meu bairro, ou do Matheus, que mora alguns bairros adiante, os dois fazem cursinho à tarde, por isso, sempre nos encontramos, mas hoje eles tinham compromisso. Eu estava no meu quarto estudando história e de repente ouço meu celular tocar, era o Matheus.

- Alô? – falei.

- Melissa, eu tenho que te contar isso.

- O que, menino?

- Meu primo Fábio apareceu aqui em casa hoje com a irmã Letícia e cada um com amigo, ela com a Mari e ele com um cara lindo que se chama João Pedro, e, adivinha, os dois vão dormir no meu quarto, olha que merda!

- Gente, como assim? E o seu primo também é gatinho? E o menino é gay?

- Ah, eu não gosto do Fábio... Então não sei te dizer sobre o outro menino, mas ele provavelmente não é né, pra ter vindo com o Fábio que é machão, e outra, vou ter que mostrar a cidade pra eles esse fim de semana e é óbvio que você e o Cabeça vão comigo.

- Claro, tô precisando mesmo sair. Mas, ó, nada de taradisse com o lindão no seu quarto hein!? – dito isso, caí na gargalhada.

- Idiota, claro que não. Não sou retardado, e tô triste por causa do Breno.

- O que aconteceu?

- Ele me pediu em namoro e eu disse não, em resumo.

- Ah, que merda! E eu doida num namorado, apesar de ao mesmo tempo pensar que não devo me apegar a ninguém agora...

-Pois é, acho que tô na mesma situação... Meus pais tão me chamando, depois a gente se fala, beijo.

- Beijo.

Dois caras lindos na casa do Matheus fez subir minhas esperanças, porque, afinal, eu ando precisando mesmo conhecer uns caras novos, essa seria uma ótima oportunidade.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 21/02/2015
Código do texto: T5144568
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