A rua mais bonita da cidade - Curitiba

No momento eu me encontro na rua mais badalada de Curitiba. Alguns chamam-na de São Francisco, mas eu prefiro descreve-la como a Rua da Liberdade. Em épocas de carnaval, posso dizer que a folia se hospeda significantemente nesse pedacinho da cidade. É como se o resto - grande resto - da capital fosse mero cenário de tanta alegria. Eu estava indo embora do teatro quando me vi entrando nessa rua exótica. Observei as pessoas, os bares, a energia vinda de ambos. Quando eu estava saindo dela, me vi um pouco angustiada, pois esperava que aquela ruazinha de paralelepípedos fosse infinita, então eu andaria por ela até que meus sapatos não suportassem mais me carregar e eu fosse obrigada a tirá-los. Para a minha infelicidade, ela é curtinha: Mal entrei, já saí. Mas foi o tempo de eu, após quatro quadras, decidir voltar e explorá-la - muito embora eu esteja sozinha. Sou louca por estar sozinha numa rua tão movimentada, é verdade. Mas tenho algo que me instiga a cada dia: a curiosidade. E ela geralmente não espera por companhias. Eu precisava voltar aqui e desvendar o porquê desse espaço ser tão místico e me envolver tanto. Porque, de certa forma, me sinto parte dela.

As pessoas são muito simpáticas e receptivas e o engraçado é que são essas as mesmas que a sociedade mais julga e oprime. Mas esse lugar aqui definitivamente não sede espaço para preconceitos. Vejo muitos casais apaixonados e muita experiência de quem um dia ousou ser o que realmente é. Boa parte são curitibanos em busca de diversão com direito a cerveja na mão e bom papo na roda. São pessoas interessadas, de alguma forma, umas nas outras. Aqui, vejo que sou uma das únicas que usa celular corriqueiramente – porque estou escrevendo. Parece que elas resgatam o real significado da interação humana. Há muita diversidade: cabelos tingidos de azul, rosa, verde, lisos, compridos, curtos ou raspados. A rua respira fumaça, causada pela elegância de que se fazem os fumantes de cigarro. Entre um digito e outro, fico tentando entender como cabe tanta riqueza em uma rua tão estreita. Fico me perguntando se, talvez um dia, venham a existir mais lugares como esse na grande Curitiba, com pessoas espalhadas pela rua. Os bares daqui são ótimos também. Eu acabei de sair de um, inclusive. A igualdade já mostrou as caras quando fui ao banheiro e percebi que haviam, logicamente, dois. Logo, com a mais automática das perguntas, me dirigi à uma moça: Qual é o feminino? E ela me respondeu que eram ambos unissex. Sem frescuras e divisões, é pra homem e pra mulher. É banheiro de todos, rua de todos. Ela me disse, ainda, que a rua funciona dessa forma tão festiva há pouco tempo. Mas essa foi a minha conclusão, já que, para ela, pouco mais de um ano significava muito tempo.

Já nesse primeiro bar que eu entrei, me permiti beber um shot de tequila. Afinal, eu estou sozinha. Depois de uma leve balançada de cabeça que a bebida me proporcionou, eu saí de lá e, logo a frente, encontrei uma sorveteria e me deliciei com um picolé. Aqui eu passo escrevendo grande parte do texto. Pergunto ao dono da sorveteria há quanto tempo ela funciona e ele me diz que desde o ano passado. Essa foi a mesma resposta do bar onde eu estava, o que quer dizer que tudo aqui é muito novo e o comércio foi crescendo com o movimento da rua. Agora, olhando ao meu redor, percebo - além de muita gente - um outro bar na minha direção. Eis que eu vou até ele. Chegando lá faço a mesma pergunta e a resposta continua sendo a mesma: o bar é novo. Nele, fiz amizade com uma mulher que me tirou da solidão em meio ao tumulto e me levou para o topo da rua, esse o espaço mais movimentado dela. Haviam saxofones e tambores, provando que o Carnaval ainda estava vivo na alma da cultuada ruazinha. Fui, então, apresentada como uma "nova amiga" aos colegas dessa mulher e passei a fazer parte do grupo de verdadeiros amantes do Carnaval. Era um pessoal mais velho, que sabia todas as letras de todas as marchinhas. Confesso que, diante de enorme conhecimento de musicas e dominância de performances carnavalescas, me senti um pouco menos curitibana e um pouco mais ignorante do que de costume. Aproveitei a oportunidade para não deixar meus olhos descansarem e observei os trejeitos de cada um. Todos muito felizes e animados. Quem dera se a cidade inteira pudesse receber pelo menos um terço de todo colorido da Rua São Francisco.

À primeira vista "grossa" da rua, já pensei comigo: isso dá um texto. Com o passar do tempo, vi que as noticias polêmicas do lugar começaram a ganhar espaço nas discussões dos curitibanos. Afinal, a rua agora é ponto de encontro e diversão barata – que vale a pena. Enfim, o fato é que jamais eu havia visto tanta diversidade em lugar algum de Curitiba. Não estou considerando as baladas, apenas os lugares públicos, já que, quando se trata disso, as pessoas tendem a esconder quem são e o que gostam se tal subjetividade vai contra o padrão. A pequena São Francisco que aos sábados agita pessoas de todas as gerações, convida quem é novato a abrir a cabeça e esvaziar-se de ideias equivocadas. Um lugarzinho que ganha popularidade a cada final de semana e que conquista a gente. Confesso que, apesar de não estar reparando com devida atenção nos homens, percebo que aqui se encontram muitos dos mais belos da cidade – em minha opinião -, muito embora eu também desconfie que boa parte seja gay. Ponto para os homens mais uma vez. Brincadeiras à parte e por fim, me despeço temporariamente da Rua da Liberdade e vou para casa. Atribui esse apelido um tanto quanto íntimo a ela devido ao contexto social: em meio a uma cidade e país com mentes tão preconceituosas e julgadoras, a rua caracterizada pela sua particularidade defende certa liberdade. Claro que existe um público predominante na região, mas o fato de ela ser frequentada por moradores de rua, jovens alternativos, adultos e mais velhos já a torna mais livre de discriminações e, assim, mais bela.