O PODER DA INICIATIVA E DO MUTIRÃO

O ônibus parou já perto de entrar no bairro para entregar os passageiros daquela seis da tarde de dia de feira. Uma mulher descuidada, que estava sentada na parte da frente, antes da roleta, resolveu fazer a travessia do contador de cinturas. Tinha ela poucos metros para descer da lotação e se vir à caminho de casa.

Quase que ela ia surtando e esquecendo de pagar a passagem. Isso por conta do desespero que ela aprontou com suas sacolas. Uma em cada mão. O cobrador só bateu uma moeda na caixa onde ele põe o dinheiro e ela se lembrou à tempo de impedir o vacilo. Foi aí que ela se viu ainda mais apavorada: só tinha ela uma nota de cem reais.

Àquela altura, com todos hoje em dia utilizando cartões magnéticos para fazer os pagamentos de passagens, o que o cobrador poderia fazer para cobrar nos cem os três e cinquenta da tarifa? Se ela o mostrasse a nota antes de fazer a travessia ele a impediria e a deixaria saltar do ônibus de graça. Seria um truque genial para se burlar a cobrança com intenção de pagá-la.

Não restou mais do que apelar para a multidão que lotava a parte de trás do veículo. "Alguém quebra aí". Perguntou ele. E durante um tempo ninguém se pronunciou. Bateu mais desespero nos dois protagonistas do impasse. A mulher ficou apavoradíssima.

Até que bem no fundo do corredor um homem disse: "Tenho duas de cinquenta". O cobrador, demonstrando um mix de aborrecimento com assentimento, informou ao gentil senhor que ele poderia passar-lhe as duas de cinquenta que ele daria um jeito. E completou com um ar de "não sei como vou fazer isso, mas...", que toda a plateia percebeu.

Então, o grandalhão das duas de cinquenta foi ao encontro do cobrador na roleta. Passou por um conjunto de cadeiras, passou por dois. No terceiro alguém interrompeu os passos do homem cortês e lhe fez um pedido: "Me passe uma de cinquenta e pegue estas duas notas de vinte e esta de dez". O cobrador e a mulher respiraram mais aliviados.

Mas a gentileza contaminou o ônibus e não parou enquanto o homem não chegou com o dinheiro trocado até as mãos do trocador. Uma mulher disse "me dá uma de dez e tome duas de cinco". Praticamente já não precisava trocar mais. Mas, ainda assim, saíram cinco moedas de um real em troca de uma das cédulas de cinco e um menino fez questão de por a mão nas moedas de vinte e cinco centavos que o pai pobre lhe dera, mostrou para ele que estava indo bem na escola, e solicitou uma das moedas de um real e deu em troca quatro moedas de vinte e cinco centavos.

Passado o susto, a senhora pôde, por fim, descer no lugar onde ia descer, só ouvindo uma delicada chamada de atenção de todos. O cobrador agradeceu ao mutirão e a viagem prosseguiu em paz, com cada qual deixando o carro no ponto onde o deixaria.

Se alguém toma iniciativa, seu exemplo embala o resto e qualquer objetivo é cumprido. Não vamos deixar os estrangeiros botarem as mãos na Petrobrás. Do contrário, cem reais para pagar a passagem não terá que ser trocado. Diga não à privatização disfarçada de golpe contra a esquerda.