Roleta Russa cristalizada...

Roleta russa!? Tempo é o tambor do revólver contendo uma bala. Você pode ter a sorte de girá-lo e sair com vida, ou, morrer na velocidade da bala. Desta vez, além de sair com vida ganhei um prêmio adocicado do tal do Cronos!

Entrei pela casa subindo degrau por degrau aos pulos. Compartilhava com meu namorado a alegria de entregar para os meus tios o nosso convite de casamento, além de encontrá-los! Admirava muito o meu tio Antonio Giubbina (Toni para a família) na meninice ouvi certa vez (numa das festas da italianada), ele contar do seu trabalho como juiz, então, fantasiei o meu tio vestido de preto apitando o jogo do meu Nhô Quim com o União Barbarense no estádio Barão de Serra Negra (Barãoboneira), e, lá estava eu e meu pai torcendo pro Quinzão, é claro! Muito mais tarde fui saber que meu tio não era juiz de futebol..., tio Antonio era Juiz da Vara Civil!

Minhas impressões da sua esposa, a tia Rosa é a de uma mulher calma, de aparência frágil, os seus olhos ternos me conquistaram, além, dos seus doces! Ah..., na sua casa a ordem e limpeza saltavam aos olhos..., a cozinha tinha aquele ar adocicado, fonte de criatividade de uma alquimista. Lembrei nestas rememorações de um filme assistido por diversas vezes: “A festa de Babette”.

Babette uma refugiada da guerra civil francesa procura abrigo numa península da Dinamarca no ano de 1871, onde, duas irmãs, devotas de seu falecido pai, um rigoroso pastor luterano, pregavam a salvação através da renúncia é justamente para elas que, Babette pede o emprego de cozinheira.

Nesse pequeno vilarejo composto por famílias extremamente religiosas, com muitas regras, deveres e devoções, envoltas num hábito “um tanto curioso” referente ao ato de comer; eles, se alimentam apenas para sobreviver. Para eles a comida não podia ter muita cor, nem sabor ou algo que estimulasse o sentido do paladar. Muito tempo se passa Babette decide voltar para a França. Antes de partir, oferece um jantar para as duas mulheres que lhe acolheram e seus respectivos convidados em forma de agradecimento por sua hospitalidade. Insistente, Babette consegue a autorização para preparar o jantar, no qual, todas as despesas referentes ao mesmo seriam de sua responsabilidade. Um barco de iguarias, especiarias, carnes..., aporta na península.

Babette inicia o banquete, as irmãs ao ver tudo aquilo decidem: “Não vão saborear nada da comida, vão focar nas palavras sagradas.”!

Ninguém nunca havia visto e comido nada igual, apenas um general tinha provado em Paris num restaurante famoso um banquete igual a este de Babette. Ele descobriu que ela era a chefe da cozinha do tal restaurante, ele, contou para todos da mesa; o que ouviu de um amigo em Paris:

“O general Galhinfer, que era o anfitrião naquela noite, nos explicou que essa mulher era capaz de transformar um jantar numa espécie de caso de amor, numa relação de paixão onde era difícil diferenciar o apetite físico do espiritual.”

Bem! Voltando a Tia Rosa..., a nossa anfitriã preparou uma mesa de iguarias inesquecíveis para acender os estímulos das redes de neurônios gustativos dos nossos cérebros, dentre todas as delícias, o figo em calda e o cristalizado, encontra uma gavetinha na memória para acomodar a doçura de cada um na lembrança.

Minha tia fazia a colheita dos frutos na figueira plantada no seu quintal, após, um processo de horas de trabalho na limpeza dos pelos, da retirada do leite dos figos verdes, horas de molho em substância salina, lavados..., para somente, depois de todo o processo ir a um tacho de cobre no fogão a lenha.

Dia destes encontrei com a filha da tia Rosa num destes encontros tristes levadas que fomos ao velório de minha tia Vally no cemitério em Santa Bárbara..., conversa vai e vem, contei para ela das minhas impressões sobre o figo da sua mãe. Espanto! Maria Luiza conta que levou a figueira para a sua chácara numa grande odisséia para salvar á arvore. Passados dezoito anos, ela esta mais viva do que nunca dando frutos. Dia destes, ela apareceu aqui em casa numa visita rápida e nos trouxe figos cristalizados e para agradecê-la escrevi no facebook:

“Querida e mais que amada prima: fiquei muito triste em não estar aqui em casa para abraçá-la, para agradecer a riqueza de presente que nos trouxe... tão delicioso tal qual o da sua mãe, a minha querida tia Rosa. Gosto de infância..., tão feliz. Vou guardar a minha parte para saborear aos poucos. Obrigada.Um beijo em todos da família.”

Neste momento em memória a tia Rosa e a todas as nossas tias estou comendo o último figo presenteado por minha prima Maria Luiza em homenagens a todas as “Babettes”, que passaram e passam fazendo a festa do nosso apetite memorial gastronômico, inclusive a da minha prima herdeira dos dons da sua mãe, uma culinarista de “mão cheia”!