Às mulheres que choram

São tantos os poemas que nos retratam chorando! As lágrimas como fios salgados e quentes a rolar nossas bochechas, muitas vezes não esperando a chegada do providencial lencinho de papel.

E tantos os momentos de indignação: por que ele se foi? Por que me traiu? Por que mentiu tanto, zombou dos meus sentimentos, fez piadas a meu respeito?????

E quantas vezes a raiva nos fez tomar atitudes bizarras, e, com o tempo, nos envergonhamos delas.

E fomos incontáveis vezes ao cinema. Quantos filmes com enredo embaralhado, tenso, relações contraditórias, mas , no final, o amor triunfaria, como já era de se esperar. Assistimos abraçados alguns romances estonteantes, comoventes, que nos fizeram pensar sobre a magia do amor eterno, acreditar no amor demais, puro e singelo.

Antes: na infância, o livrinho contando histórias de príncipes. Chegamos até a acreditar que eles existiriam, com outra roupagem, claro, sem nenhum cavalo branco a galope. Um príncipe mais moderno, mais sarado, falando uma linguagem mais coloquial, divertida e mais sonora.

E sempre as tias ou avós a observarem os rapazes aparentemente apaixonados por nós, com olhares lânguidos,e logo começaram a insinuar sobre enxovais ricamente bordados, de tecidos finos e tudo teria que ser branco, demonstrando castidade e submissão.

No colégio, as aulas de Literatura insistiam em nos encantar om o Romantismo e as leituras eram, em essência, obrigatórias. O grande destaque era para o amor platônico,carregado de dor, de lágrimas e de muita solidão. Tempo de subjetivismo, de amores impossíveis e, no final, triunfantes. Como sempre. Para sempre.

Construções que a humanidade foi fazendo... e nos fizeram sofrer profundamente e ainda perpetuamos esse sofrimento quando insinuamos para nossas filhas que aquele namorado deve ser extraordinário, único, íntegro, emocionalmente resolvido. Que pena! Um verdadeiro ó do borogodó.

Ainda sofremos muito porque resolvemos idealizar e não questionar. Pior: aprendemos a dizer: ”comigo não vai ser assim. Eu vou investir na relação. Vamos construir uma linda história de amor”.

Quem disse para nós que os homens são simples mortais, falíveis como nós, e que grande parte deles se contenta com apenas sexo, cerveja e futebol?

Alguém falou que a imensa maioria deles não se preocupa com os nossos sentimentos, mas apenas com o seu poder de controle?

Será que alguém ouviu da mãe, da avó ou de alguma tia que nada mais importa a um homem que a valorização do seu próprio orgulho? Até incentivaram a lhes dar mais combustível para que o seu ego ficasse ainda mais inflado. E eles adoram saber que as mulheres choram e sofrem por eles. E que eles não se preocupam nem um pouco se, com alguma palavra, alguma cobrança absurda e inútil, destruiu a mulher que tanto se dedicou e tantas vezes declarou amor. E era amor profundo, visceral, indefinível até.

Ninguém nos disse isso. Aliás, nos ensinaram a nos preservar... para eles, a fazer uma boa comida, a nos arrumar, a cuidar a casa, a ser boas anfitriãs... para eles.

Acalmem-se, homens desse Brasil varonil. A culpa não é só de vocês. Vocês apenas se aproveitaram de uma sórdida construção histórica. Vocês ficaram, calmamente, na temível zona de conforto como qualquer mortal, em condição de privilégio, ficaria. Não estou culpando vocês. Fiquem tranquilos. O problema mesmo é que essa cultura ocidental pautada na valorização da autoridade e da dependência nos provocou dores indizíveis na alma simplesmente porque acreditamos nos seus valores.

Depois de mais de cinco décadas de vida , fui obrigada a concluir, tragicamente, com imensa melancolia, e ser dona de um pensamento que só pode ser irreversível: o único amor verdadeiro é o amor de mãe. Nada mais. E que faz parte do nosso amadurecimento esse modo de perceber as relações humanas, sempre tão frágeis e carregadas de sutilezas.

E como é bom se apaixonar! Seja pela vida, pelas memórias. Deixar que o nosso olhar brilhe pela natureza, pelo cantar dos sabiás e bem-te-vis, pelo ir e vir do mar que amacia a nossa alma na sua eternidade. É bom se apaixonar pela primavera que, com frustrações ou não, chega e nos afaga! Apaixonar pelo cuidado com as violetas e azaleias, pelo plantio de um simples pé de tomate. Mas pode ser de couve. Nutrir a paixão pelo conhecimento, científico ou não. O que realmente importa é: nós, mulheres, nos mantermos apaixonadas sempre, dispensando o sofrimento, a desilusão e o desencanto. Apaixonadas e vibrando pela vida, pela criatividade, pelas novidades que o conhecimento traz. Tendo filhos ou não, fazer da vida um estado de amor permanente, nos dando forças e alegria para o trabalho, para o abraço nos amigos queridos que nos respeitam. Cuidar e curtir a evolução espiritual, as conquistas materiais, as viagens, as descobertas.

Que os homens sejam muito felizes. Principalmente aqueles que nos querem bem, nos respeitam, nos admiram. Repito: o problema não é só de vocês, meninos. Nós é que idealizamos demais, demos poderes superlativos a vocês. Quisemos o que vocês não tinham para nos dar. Assim, fomos nós, mulheres, as grandes responsáveis pelas nossas amargas decepções.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 06/03/2015
Reeditado em 08/03/2015
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