Menina de chapéu

Já faz alguns dias e a sequência de imagens suas daquela quinta ainda se repete constantemente na minha cabeça. Não foi no momento que te olhei, confesso, talvez jamais repararia em você em outra ocasião. Mas reparei. Pareciam horas, e eram apenas minutos, e em tão pouco te vi rindo, te vi testando, te vi suplicando. Te vi sorrindo, te vi caindo. Te vi sentada, te vi calada. Te vi quase gritando. Te vi sussurrando. Por momentos você foi a menina mais linda que eu já havia visto, por minutos eu te amei tanto. Por minutos você foi o momento certo, e eu descobri que há muito esperava pra te conhecer. Talvez você apareceu de uma vida passada, ou talvez eu viera nessa vida pra ter sentada do meu lado embaixo de um museu, durante a chuva, fumando cigarros achados na calçada. Tenho tentado ouvir música clássica pra me lembrar mais de você, mas nenhuma soa como sua voz explicando o que aqueles sons te lembravam, e estranhamente, me recordava da mesma cena que era-me detalhada vindo da sua boca enquanto exalava fumaça. O que me sobrou de uma tempestade negra foi um nome, um apelido e um chapéu de palha. Ninguém poderia ficar tão bonita com aquele chapéu como você. Lembrei logo da sua paixão por brechós e eu quis levar todas as roupas pretas que eu visse pra cada brechó do mundo, com um recado pra você aparecer mais uma vez. Seus pés já haviam passado do vão entre o metrô e a plataforma, mas sua presença ficou, eu te via em uma sequência enorme e detalhada algumas vezes por segundo, e quando vi ainda estava com o chapéu. Em momento algum pensei em tirá-lo, foi a unica coisa real que sobrou-me de você. Foi uma sensação louca, quase esquizofrênica, estar fissurada por um corpo com roupas negras e um chapéu de palha que eu conhecia há uma hora e meia... Mas sentia-me feliz, como se esperasse te encontrar há tanto tempo. Em meio a sequência, havia uma imagem de olhos caídos e borrados de maquiagem, eram nossos. Ainda toca, mas não vejo nenhum soldado antigo, tampouco uma mansão à luz de velas durante a noite. Só toca a saudade de algo que eu não sei, mas vêm da sua sutileza em meio ao caos, isso me recorda daqueles minutos de uma quinta 12, manifestantes alvoroçados e perante nós só o som de nossa voz. Era tudo que eu ouvia, o caos não pôde me atingir porque ele te via por perto, e sabia que aqueles dois corpos um ao lado do outro, demoraram pra se sentar no mesmo metro quadrado e por fim, demoraram a se enxergar. Sei que te esperava, por muito te esperei e foi uma mistura engraçada do que sinto ao escrever. Mal podia esperar pra escrever sobre a menina de chapéu. Não quero falar seu nome, frustra-me não ter onde te encontrar. Vou continuar a procurar-lhe, mas caso eu venha a falhar, agradeço sua chegada, Sia.

Carmen Tina
Enviado por Carmen Tina em 15/03/2015
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