Frank, José, alunos, familiares e a vida!

Os choros eram estridentes, a cena era de demasiada tristeza, antigos e atuais alunos choravam a morte de seu mestre, familiares lamentavam a imoralidade da morte, alguns mais lúcidos, lamentavam o valor da vida, o incomum nesses locais é a celebração à vida, para muitos ali a imagem inesquecível daquele mestre seria a do seu corpo inerte dentro de um caixão que aprisiona vidas.

Era o velório do professor Frank. Um sábio professor que fez do seu ofício um sacerdócio, e apontou caminhos a jovens que nem sequer sabiam que além do bem e do mal havia mais caminhos, aliás, que o bem e o mal estavam presentes em todo e qualquer caminho, que a liberdade é o preço que se paga por ser livre. Certamente muitos deveriam a vida àquele humilde e sábio professor.

Em meio a esse cenário de tristeza, entra o alegre José, um simples morador daquela comunidade, e que não tivera a oportunidade de se formar no ensino médio, mas que aprendera muito com aquele agora finado professor Frank. José tinha apenas um problema: era alcoólatra; tinhas os seus motivos para beber, e quando não os tinha, bebia pela tristeza de não os tê-los, José tinha vários apelidos, mas devido ao corpo franzino e debilitado pelo álcool o apelido que pegou fora o de "Zé Toco" pois era frágil e lançado a vida como um toco qualquer que jogado a estrada ninguém o sabe de onde é, e por que motivo fora parar ali.

José chega cambaleando, porém com um sorriso singelo no rosto. Olha em redor e fica completamente desnorteado sem entender o motivo daquele chororô. José permanece firme e mantém o sorriso no rosto, porém alguns ficam incomodados com a aparente alegria de José, alguns alunos que o conheciam, tentam contê-lo, alguns familiares do falecido desdenham a presença daquele bêbado, lixo social da sociedade de consumo que vende bebidas e condena o alcoólatra que movimenta o mercado das grandes fornecedoras de bebidas alcoólicas, José sem se intimidar, vai até o caixão onde Frank se encontra, alguns familiares do falecido acharam aquilo um absurdo e na hora que foram contê-lo ficaram perplexos ao ouvir José pronunciar em voz alta, para todos aqueles enlutados ouvirem:

- Obrigado Frank! Um brinde a vida! (José tira uma pequena garrafa de vodka do bolso e toma um gole).

Após dizer tais palavras e beber a sua vodka José solta uma gargalhada e diz:

- Frank me ensinou a sorrir!

Nesse momento todos os olhos estavam voltados para José, e mesmo alguns familiares querendo esmagá-lo, alguns alunos que conheciam José aplaudiram sua última frase. E José continuou:

- Viver é uma possibilidade. Morrer é uma reação inexorável da existência.

- Viver é uma condição. Escolher a vida que se quer viver é um privilégio de poucos.

- Nada pode ser mais triste que uma segunda morte. Segunda morte? Sim. Há os que estão mortos em vida, e quando a morte física vem, essa é a chamada segunda morte. Frank viveu. E teve apenas uma morte. A morte física. E morreu devido ao desgaste do tempo que inevitavelmente suga a vida alheia. Pior são aqueles que morreram sem ao menos terem o privilégio de viver a vida que escolheram.

- Ao invés de choros de lamentos, deixo aqui minhas humildes lágrimas de "aplausos" por alguém que viveu a vida que escolheu e morreu devido ao esgotamento do tempo que é inevitável.

- Deixo minha singela homenagem a quem não morreu cedo demais, já que cedo demais é coisa de quem espera viver... Quem vive não morre cedo demais, apenas morre, já que enquanto tinha fôlego, viveu, e quem vive enquanto é vivo, nunca morre cedo demais...

- Vá com Deus meu velho!

- E cito a vocês companheiros a frase que Frank me ensinou de “um tal” de Sêneca, talvez tenha sido amigo dele:

- “Enquanto se espera viver, a vida passa”.

- Frank viveu sem esperar... E morreu vivendo. Pior são os que morrem porque deixam de viver.

- Aplausos a Frank!!!

- E um brinde a sua vida! (Toma outro gole de vodka). E apesar da tristeza saiu feliz do velório do seu grande amigo. Saiu chorando o não ser, no entanto, louvando o ser de Frank.

Certamente depois desse episódio. O chororô perdeu o sentido. E o assunto passou a ser sobre a vida de Frank e a vida que continua.

Aplausos a Frank!!!

Um brinde a vida!

A vida que vai é também a vida que fica.

José cambaleando saboreava a vida que tanto o massacrava.

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 28/03/2015
Reeditado em 29/03/2015
Código do texto: T5186753
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