Domingo em Santos

Amanhã vamos pra Santos !

Pronto! Era a catarse!

A frase mágica pronunciada por meu tio, nos transportava para um mundo de imaginação e sonho do qual não queríamos sair.

Amanhã vamos pra Santos, o lugar mítico, buscado na imaginação e só acessível naquele tempo aos ricos ou aos parentes que já tinham carro. Meu tio tinha uma Rural, aonde íamos todos amontoados.

Vamos para Santos!

Íamos no domingo as 5 da matina e ficávamos, eu meu primo e irmão acordados desde a noite anterior naquele estado onírico entre o sonho e a realidade, mal podendo acreditar que iríamos passar o dia inteiro na praia.

Na véspera, minha tia já preparava os ovos cozidos, os bifes a milanesa, as maioneses, tortas de frango, os bolos, os doces e as garrafas de tubaína, os pãezinhos comprávamos ainda quentes na padaria envolta na noite não despertada na hora da saída.

Nossa comida era acondicionada nas panelas e caldeirões que minha tia usava no seu dia a dia de dona de casa e ela bem sabia as grandes fomes que nos dominava e era generosa em suas porções como soia ser em sua bondade e amor.

Ela até preparava a velha garrafa térmica com café e bolachas para comer durante a viagem, pois saíamos sempre antes do dia clarear, para, como dizia meu tio, “aproveitar mais”.

Domingo em Santos!

Lá íamos andar pelas areias ainda puras e limpas da Praia Grande onde era possível caminhar pela orla durante horas sem topar com ninguém. Não havia casas; de um lado da estrada o verde da mata atlântica se estendendo até os contrafortes da Serra do Mar e do outro o Mar, limpo, azul, paixão de minha juventude que começava, pois sempre que voltei a ele nos anos futuros, trouxe comigo a impressão desses domingos em Santos.

Quer ser mais paulistano que passar um domingo em Santos?

Meu tio passava horas preparando seu material de pesca, caixa de metal com mil divisões e todo tipo de alicate, anzol, chumbadas, linhas e a enorme vara de “fiberglass” (era assim que se falava naquele tempo) de quase 3 metros de altura munida de uma carretilha que me fascinava com seu aparato de travas, engrenagens, freios, polias e roldanas, que faiscavam ao sol.

Amanhã vamos pra Santos!

Em nossos ouvidos infantis, a voz grave do tio ecoava como um vaticínio, decretando um novo tempo em nossas vidas, um tempo de aventuras num lugar mágico onde até o ar tinha aroma de viagens, de partidas para terras distantes.

Antes da partida, minha tia aflita dizia: “não deixem de engolir quando sentirem os ouvidos taparem, na descida da serra” E eu pensava como o ouvido pode tapar na serra ? Mas sempre acontecia sim e graças a minha tia, um simples engolir em seco e o mundo se povoava de sons e ruídos novamente.

Na descida da serra, sempre ia apreensivo com a escuridão, as neblinas da serra do mar, fantasmagóricas, bem adequadas no caminho de um lugar mágico, e a terrível altura dos precipícios que passavam rente as janelas da Rural que descia devagar. Já no caminho, tomávamos café, com bolachas e não parávamos de brincar mesmo que ainda com um pouco de sono.

No final da serra, meu tio tomava a estrada da direita, chamada Pedro Taques e aí já avistando o mar de nosso lado esquerdo, eram mais 30 ou 50 minutos de estrada até o ponto da Praia Grande escolhido para ficarmos.

Ao chegar, mal a Rural parava, saíamos correndo tirando as roupas, pois já estávamos de “shorts” (era assim que se dizia então) por baixo e corríamos de encontro ao mar e nos atirávamos na água, e a catarse atingia seu auge e tínhamos a verdadeira noção do que era ser feliz.

O tio gostava de pescar e eu me fascinava vendo-o pescar. A longa vara brilhando, munida de três anzóis que manejava com destreza e me dizia: “basta entrar na água até a cintura, fazer um movimento rápido em arco da direita para a esquerda, vindo de suas costas, perpendicularmente em relação a sua cabeça e quando perceber a vara alinhada com sua linha de visão soltar a trava da carretilha que a linha se projetará para o mar.” Fácil né?

Era dessa forma que ele tentava me ensinar a jogar a linha no mar o mais longe possível usando uma vara menor que ele tinha como reserva. Eu tentava, tentava, mas a linha caia a no máximo uns 4 ou 8 metros de lado e o pior, a isca sempre caia antes do anzol bater na água.

A dele não, a linha com suas chumbadas penetravam 30, 40 metros mar adentro em trajetória reta!

Agora o pior eram as iscas! O tio usava o famoso camarão sete-barbas e tentou me ensinar a colocar no anzol corretamente. Eu menino tímido tive que enfiar a mão naquela massa convulsa de monstros pré históricos e gelados e tentar penetrá-los com a ponta afiada do anzol, mas nunca conseguia. Meu tio falou: “antes você tem que tirar a cabeça e enfiar o anzol por aí..”

Essa agora!

Preferi deixar de aprender a pescar e ficar pelas areias brincando, pelas águas salgadas sentir o gosto do mar, ver os pequenos peixes que batiam em nossas pernas, os siris que corriam de nós e aves estranhas que passavam muito alto como planadores e que eu só tinha visto em figuras de revistas.

Domingo em Santos! Para voltar para Sampa, nem banho tomávamos, vestíamos as roupas pelo corpo salgado e já sentindo as queimaduras de um sol que nem sempre se mostrava mas que mesmo assim queimava muito, mas criança é imune ao sal, ao calor, ao sol, ao cansaço e nem queríamos voltar.

O tio recolhia as coisas e todos na Rural novamente a caminho, desta vez prá Sampa, cansados e felizes. A gente sempre parava na entrada da Ponte Pênsil onde minha tia comprava as bananinhas que eram vendidas pelos moleques na beira da estrada e onde eu olhava curioso as fieiras cheias de siris e caranguejos que meu tio dizia ser uma delícia, mas minha mãe olhava com repulsa.

A Ponte Pênsil! Diziam que ela balançava, pois estava presa apenas por dois enormes cabos de cada lado e que se eles rompessem íamos para o mar e afundaríamos. Eu ficava olhando pela janela da Rural com medo que tudo despencasse.

Subíamos a Serra já de noite e desmaiando de sono e cansaço quase nem percebíamos chegar em casa. Ah, como era difícil tomar banho com a pele queimada, aí sim que a coisa começava a pegar, deitar então, só de lado para não arder as costas. Mas que mal dormíamos sonhávamos com a próxima viajem.

No dia seguinte na escola, os amigos vendo nosso rosto vermelho do sol perguntavam onde tínhamos ido no fim de semana e nós com ar superior, estourando de felicidade dizíamos:

Domingo em Santos !