Coisas soltas...

A juventude passou... Estou mais velho, caminhando pela minha sexta década de vida.... Mais velho, quem sabe um pouco mais experiente e mais, muito mais sofrido. Alguns dos meus sonhos perderam a importância e outros estão por aí, quase esquecidos. Foram ficando pelas esquinas da vida e restou muito pouco... Pedaços foram arrancados de mim e não podem ser mais recuperados. Estas "amputações" emocionais que sofremos, são talvez as mais dolorosas que um ser humano possa suportar e se manifestam impiedosamente na insônia das intermináveis noites, no assistir sem ver a repetitivos noticiários e filmes sem sentido e nexo, em sensações aflitivas que surgem amiúde no dia a dia, na desistência em buscar os prazeres mais banais e em comportamentos automatizados, que simplesmente se cumprem. Não acontecem reações superlativas... Tudo é igual, sempre igual, e se traduz em uma mistura vivencial sem cor, sem sabor e que parece não ter sentido algum. Não me importo se o dia está ensolarado ou chove, se está frio ou faz calor... Tanto faz... é só mais um dia a ser cumprido, rotina maquinal e repetitiva. Isto me traz reflexões, algumas de difícil elaboração .... Racionalmente, entendo que estes momentos são episódicos e que podem se tornar aos poucos menos doídos e que poderão auxiliar a alma na dolorosa recuperação das perdas sofridas e na readaptação a uma outra realidade. Alguns referenciais que norteavam a minha vida se perderam.... Outros surgirão? Melhores? Piores? Não faço ideia! Não vejo grandes transformações adiante... A senescência traz consigo uma tenaz resistência a mudanças e não espero que grandes coisas venham a me acontecer. Na verdade, nem sei se as quero! A vida é pautada pela busca incessante e inclemente do ser humano por ele mesmo e é matizada pelas ambivalências e incoerências inerentes ao ser gente, pelo amor e desamor, bondades e maldades, lógica e desordem...... Sinto ter magoado pessoas ao longo desta procura. Me ressinto também de ter sido magoado. Estes fatos não carregam consigo a intencionalidade e são apenas a expressão e o produto do viver de cada um de nós. Tenho tentado perdoar aos que me machucaram.... É um processo difícil e sei que aos outros isto também traz enormes dificuldades, mas espero ser perdoado um dia pelos danos que causei, voluntaria ou involuntariamente .... Gostaria ter sido tudo o que esperavam de mim. Não pude ter, ser e fazer tudo o que quis para mim e para os outros. E como quis! Tentei... Algumas metas foram alcançadas. Em outras, fracassei... É da vida. É a minha bagagem. O que tento agora, é me reorganizar aos poucos, juntar os pedaços dispersos, coisas soltas por aí... Encontrei algumas e vejo outras ao longe, distantes e que nunca mais serão recuperadas. Alegrias, tristezas, lembranças boas e outras não tão boas.... Perdas e ganhos, encontros e abandonos. Seria bom que pudesse levar na bagagem só o essencial, o que realmente importa. O resto? São restos.... Não espero mudanças grandiosas e não acho e não espero que muitas coisas diferentes venham a me acontecer no ocaso da vida. Na verdade, acho que não quero mesmo nada disso. A vida é, ao fim e ao cabo de tudo, a busca permanente do ser por ele mesmo e estas situações dolorosas pelas quais, cedo ou tarde, todos passamos, são apenas "ferramentas", as vezes inadequadas, que usamos para tal... São meios, não um fim em si mesmas! Somos pessoas e expressamos isto no nosso dia a dia. Somos anjos e demônios, incoerentes como simples seres humanos, e o interagir com os outros é sempre matizado pelas nossas vivências e afetos. Complexo, o intercâmbio humano se manifesta através de lógica própria, e se distancia por completo do cartesianismo clássico que esperamos e queremos encontrar. Penso se isto tudo não é tão somente reclamar da vida... Pode ser... Por outro lado, concluo que não tenho esse direito. É um caminho traiçoeiro que leva a auto comiseração e a projetar em outros a culpa das minhas dores, temores, medos e fracassos.... É claro que a coisa não passa por aí! Os meus acertos e erros, são meus, exclusivamente meus. São parte do acervo pessoal e me pertencem. Pelos meus erros, fui algumas vezes penalizado e com justiça. Em outras ocasiões, fui injustiçado e aprendi o óbvio: que a vida nem sempre responde com coerência aos nossos atos. As pessoas que me magoaram, talvez nunca tenham percebido o que me causaram... Na maior parte das vezes, me voltei para mim mesmo e escondi as minhas dores... Nada mostrei, embora as vezes tenha me despedaçado internamente ... São estes pedaços de mim, escondidos e envelhecidos, que tento agora reorganizar. Não é bom guardar rancores. Não quero levá-los comigo, embora alguns me acompanhem a muito tempo, companheiros indesejáveis... Não quero carregar culpas, sejam ou não justificadas, verdadeiras ou não, sejam minhas ou de outros... A bagagem existencial deve ser leve e conter o essencial. O que ficar, talvez não possa ser resgatado... São pedaços,restos de mim, soltos pela vida e não serão recuperados... Estão perdidos para sempre... Pessoas são importantes, bem como os amores que vivi, mesmo os perdidos e irrecuperáveis.... Um lugarzinho especial para as boas lembranças, pode "temperar" adequadamente o tempo de vida que ainda me resta... A "bagagem" vivencial organizada é ainda escassa.... um quase vazio..... Mas, a fila anda... De qualquer modo, ter nascido, estar vivo, ter uma consciência de mim mesmo, continua sendo um impenetrável mistério. Mas.... Pode ser que ali adiante, encontre algum sentido para tudo isto.... Ou não...

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