Afundar, afogar, morrer

Você devia fazer natação, disseram. Mas disseram assim, como se fosse a coisa mais natural, como se não soubessem que eu nunca havia entrado nem em piscina de bolinha. É bom para a coluna, explicaram. Não duvidei, mas nem por isso me senti mais motivado. Até então eu havia orientado a minha vida de modo a manter uma respeitosa distância de tudo que fosse aquático. Nunca havia tomado banho de piscina, nunca havia ido à praia. Isto é, fui uma vez à praia, durante uma excursão do colégio. Lá me aconteceram coisas bastante desagradáveis, como escorregar em uma pedra e me apaixonar pela primeira vez. Eu queria olhar o mar, pois era o único que nunca o havia visto, mas descobri uma menina que olhava para mim, e desde então eu não vi mais mar nenhum – mudei de abismo, troquei de vertigem.

A verdade é que, para mim, não havia muita diferença entre uma piscina e o mar: tudo era água, tudo podia me fazer morrer afogado. Mas eu sou um desses espíritos que, de tanto insistirem, acaba fazendo o que pedem, de modo que, dali a algumas semanas, lá estava eu na minha primeira aula de natação. Sentia calafrios – um pouco porque estava frio e eu vestia apenas uma sunga, e um pouco de medo mesmo. O professor, ao se deparar com aquele rapaz branquelo, franzino e desengonçado, deve ter se lembrado imediatamente do dia em que o Mr. Bean foi a uma piscina pública. Contendo o riso, mandou-me entrar na parte mais rasa da piscina. Para lá segui, não sem antes encomendar vivamente a minha alma.

Primeiro, botei o pé na água para me certificar da temperatura. Gelada, como eu temia. Olhei ao redor, na esperança de alguma saída, mas não vi nada. Suspirei, fechei os olhos, e tive a impressão de que todo mundo me observava. Era preciso fazer algo logo, se demorasse mais um pouco o professor viria perguntar o que estava acontecendo. A piscina já estava cheia de crianças, e aquele baita marmanjo ali, parado, com medinho de entrar. Pois bem: entrei.

Eu achava que já havia feito o bastante, mas o professor – homem sádico – mandou que eu fosse caminhando até a outra borda. Tentei dar um passo, me desequilibrei, me desesperei, achei que fosse me afogar, que a morte vinha me tragar. Pouco adiantava o professor me lembrar que aquela era a parte mais rasa da piscina. Mesmo assim, heroicamente, cheguei ao outro lado. Havia vencido a batalha da minha vida. No outro dia, amanheci tremendo de febre.

Com o tempo, passei a acreditar que não morreria afogado – pelo menos não naquela parte da piscina. Além do mais, eu sempre tinha ao alcance uma prancha ou um macarrão. Já agia com certa naturalidade, e esse foi o meu mal, porque, vendo isso, o professor achou que já estava na hora de eu ir até a parte mais funda da piscina, lá onde não havia como encostar os pés no chão. Meus medos renasceram, tive muitos pesadelos ao som de “Oceans” do Pearl Jam. Sentia que perderia o controle das mãos ao tocar a parede, que não conseguiria me virar para voltar, que não conseguiria agarrar uma das raias – que iria afundar, afogar, morrer.

Não aconteceu, é certo. Sobrevivi e hoje posso dizer aos meus filhos: enquanto estiver ao alcance de vocês, evitem os problemas de coluna.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/04/2015
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