O meu primeiro de maio.

Ao completar três décadas de trabalhos em sala de aula, eu estava à beira da síndrome do pânico, hipertensa, etc e tal .

Sonhei em ser professora de História desde a minha sétima série. Eu idolatrava o meu professor, o Carlão, e o meu desejo mais profundo era, um dia , ter uma parte apenas do seu conhecimento. Passei a vida me desdobrando em estudar História, a economia, a cultura, o sentimento dos povos. Uma dedicação exclusiva, indiscutivelmente.

Durante todo esse tempo, tudo o que lia, assistia, locais que visitava, entrevistas que fazia, visitas a museus, imagens, músicas representativas de época, jornais, revistas e tantos outros objetos que eu possuía, logo me preparava para partilhar com os meu alunos, me alongando nas explicações, tentando fazer com que vivessem e sentissem as coisas do tempo, o fazer histórico, os enganos que não poderiam mais ser repetidos, além do altíssimo custo desses equívocos.

Vivi em função da minha profissão. Com uma garra que foi, infelizmente, se esvaindo ao longo da vida.

O tempo é implacável com qualquer pessoa. Acreditei mudar o mundo, transformar as pessoas, influenciar os jovens para a valorização da vida e o respeito ao próximo. Sutilmente eu tentava que eles despertassem e cultivassem a compaixão. Então, o emprego das imagens, fotos, músicas e discussão sobre as coisas do sentimento.

Contrariei a vontade do meu pai. Ele sonhava em me fazer uma economista, de preferência, uma executiva. Pior: usando tailleur. A cor? Cinza. E eu queria vida, luz, movimento, compromisso social intenso, fazer deste um país mais digno, o melhor lugar do mundo para se viver e amar.

Fiz a minha profissão fundada no amor e na esperança. Para começar, esperança de quebrar de vez com a ditadura. Então, eu lecionava e depois corria da polícia. Comprava jornais alternativos e lia às escondidas... para depois poder dividir com os meus alunos. Fiz do magistério um sacerdócio, com alegria e seriedade.

Nem sempre consegui amizades. Muitas vezes, diante do desinteresse e descompromisso de uns tantos, me tornei a mais antipática e sem brilho das professoras. Afinal, eu estava a serviço, sempre me especializando... por que tolerar o risinho fácil, o sono, as piadas e as mensagens fora de hora nos celulares?

E as dores de garganta! Pior - as dores nas pernas por ficar o dia todo em pé. Quantas vezes eu não dormia pelo sentimento de exaustão! Mesmo assim amei profundamente a minha profissão.

No final de 2011 resolvi tomar uma nova estrada. Naquele ano, numa determinada turma, eu passei o tempo todo brigando para conseguir dar aula. Muitas vezes, ao sair dessa sala, eu dizia que eu estava saindo de uma guerra.

O ano letivo estava nos seus suspiros finais quando uma aluna dessa sala me deu um presente: um cachorrinho de pelúcia acompanhado de uma cartinha muito bem escrita. No envelope, com múltiplos adesivos coloridos, ela destacava a seguinte oração: “não se esqueça, se o futuro levá-lo embora, você vai sempre ser parte de mim”.

E a carta era uma grande demonstração de carinho: “pode até ser que no futuro não lembres de mim, mas eu sempre irei lembrar da pessoa que muito me ensinou “. “Estás saindo dessa fase da minha vida deixando suas marcas. Espero que continues sendo essa pessoa maravilhosa e alegre que a senhora é”.

Essa aluna, Ariadne Beatriz Volpato, igualmente me deixou marcas. De que é possível sonhar, acreditar sempre, amar muito a profissão, por mais desgastante que seja.

Na época, Ariadne, eu estava tão exausta que nem consegui dar a importância merecida ao seu presente. Me perdoe, por favor. Eu estava à beira da insanidade.

Hoje, essa carta está guardada junto com outras tantas que recebi ao longo da minha vida profissional. Com muito carinho e orgulho por ter colocado algum estímulo na vida de tantos jovens que estão construindo suas vidas.

O animalzinho de pelúcia está na escrivaninha onde estudo, olhando prá mim, silente e me fazendo lembrar dessa querida aluna. E ele me provoca, como que dizendo: “você não foi tão ruim assim como imagina. Até que deu pro gasto. Alguma coisa você conseguiu diante do seu esforço”.

Muito obrigada, Ariadne, pela sua bondade, pelo carinho, pela consideração.

Guardei esse sentimento tão puro para esse dia do trabalho. Desejo a você toda a felicidade. Receba os meus cumprimentos e saiba que, nos meus suspiros finais como professora, você foi um anjo, carregado de doçura e de perfume num ambiente tão hostil. Você está sendo lembrada nas minhas orações diárias e desejo uma chuva de bênçãos na sua vida. E que a estrada seja florida e com sabiás a cantarem para você.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 01/05/2015
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