Enfermidade invejável

Certo dia, como de costume, acordei, tomei um banho, tomei café e tomei um ar. Peguei as chaves do carro, dei um beijo na mulher, um afago nas crianças e sai. Liguei o carro, liguei o rádio e liguei os ouvidos para escutar as “tragédias” do dia.

Para minha surpresa a primeira notícia destoa das que normalmente ouço:

“Homem é flagrado ajudando velhinha a atravessar a rua”, disse a repórter.

- Será que ouvi bem? – pensei.

Mudei de estação e novamente fui surpreendido:

“Mulher que se identifica como Robin Hood distribui alimentos e roupas a famílias carentes”.

- Devo estar ficando louco! – exclamei – Que raio de notícia é essa?!

“Batalhão do corpo de bombeiros dá prêmio ao soldado que mais salvou gatos em árvore no ultimo ano”, ouvi em outra estação.

Em uma mistura de amor e ódio pela loucura que me pareciam todas aquelas notícias, resolvi parar em uma banca de jornal para averiguar em forma física, palpável, com meus próprios olhos se o que ouvia era verdade.

Abri a porta do carro, abri a carteira e abri o jornal do dia.

A notícia da capa era:

“Governo decreta o dia nacional do relacionamento e comunicação prometendo deixar todas as redes sociais fora do ar nesse dia.”

Fechei o jornal, fechei a porta do carro e fechei a cara.

Por mais que todas aquelas notícias fossem boas fugiam, e muito, do convencional.

- Algo só pode estar errado - pensei.

Continuei meu trajeto com o intuito de que o trabalho, a rotina e os “BOs” do dia me trouxessem de volta à realidade. Chegado lá, por desencargo de consciência e ser humano racional naturalmente pessimista que sou, fui conferir na internet se alguma informação batia com as recebidas até então; e logo na página inicial dizia:

“Empresário dono de multinacional decide largar a carreira para passar mais tempo com a família. Críticos o elogiam e brincam; dizem que estão pensando seriamente em fazer o mesmo.”

Fraquejei.

- Chega! Não quero ver mais nada! – esbravejei.

Confesso que não tinha ideia do que poderia estar acontecendo. Na hora só senti um frio na barriga e vertigem; sensação de instabilidade total.

Neste dia não trabalhei muito bem. Peguei-me admirando as atitudes de um cara que não suportava até o dia anterior. Algo estava errado, mas não conseguia identificar. Até meu chefe me tecia elogios, o que normalmente não acontecia.

Cheguei exausto em casa.

Arrastei-me à porta, arrastei a porta e arrasado deitei no sofá.

Contei à minha mulher o que estava acontecendo. As notícias malucas, minha admiração pelo rival e os elogios do chefe.

Como faz com nossos filhos, ela pôs a palma da mão em minha testa e depois a levou em meu pescoço como se medisse a temperatura; puxou as pálpebras inferiores dos meus olhos para baixo buscando alguma anormalidade.

Soltou suas mãos, soltou um suspiro e soltou o nó na garganta.

Olhou profundamente em meus olhos, suas bochechas coraram e seus olhos umedeceram. Com a voz embargada disse:

- Temos que chamar um médico.

- Por quê? – perguntei.

- Onde está o telefone dele?! – já aflita, questionou enquanto revirava as gavetas.

- O que acha que eu tenho? – perguntei apreensivo.

- Você só pode estar sofrendo de felicidade aguda. Está até delirando, vendo o lado bom da vida – disse ela aos prantos; já com o telefone nas mãos.

Ayron Barsan
Enviado por Ayron Barsan em 06/05/2015
Código do texto: T5232421
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