Os Milionários, As Garotas e Os Ninguéns

Já era meu terceiro ano como teleoperador de uma empresa de telecomunicações e a coisa simplesmente não melhorava, mas de vez em quando acontecia algo interessante ou engraçado.

No ônibus, indo trabalhar, sempre encontrava algum companheiro de trabalho e na maior parte das vezes isso significava apenas um formal cumprimento, mas havia um rapaz que morava em um bairro pobre de Mauá, que sempre me cumprimentava e fazia questão de sentar ao meu lado e ficava o percurso inteiro falando de si mesmo, ele trabalhava no mesmo inferno que o resto de nós, em um setor mais afastado, de forma que só o via no ônibus e vez ou outra pelos corredores.

Ele era jovem, tinha dezoito ou dezenove anos, usava um óculos elegante e vestia-se bem, ainda que suas roupas fossem simples ele procurava estar sempre atualizado, tinha estatura mediana e um rosto que você não é capaz de amar ou odiar, tinha uma boa aparência, era bonito sim, com olhos escuros e levemente puxados, cabelos negros e lisos penteados com simetria. Toda essa harmonia forjava um ar de importância que ele não possuía realmente, deixava tudo muito sério e não natural. Era um bom sujeito lá no fundo, você quase podia perdoá-lo pelos livros horríveis (em sua maioria biografias de homens bem sucedidos) que carregava consigo e lia.

- Qual é o seu plano Risério? - me perguntou ele num dia sem importância.

- Plano? Não acho que tenha um - respondi -, não agora.

- Pois o meu é me tornar milionário antes dos vinte e cinco - ele disse -, quero me aposentar aos vinte cinco anos e em grande estilo.

- É por isso que lê esses livros horríveis? - perguntei.

- Oh não, não! São ótimos, dão ótimas dicas para homens ambiciosos, para homens de verdade como eu.

- Legal.

Ele frequentemente provocava todas as pessoas com quem conversava (em especial outros homens), sempre se colocava num patamar mais elevado e inferiorizava too o restante, em espírito, já era um milionário, e um dos mais petulantes. De vez em quando sabia ser agradável, mas isso era raro, na maior parte do tempo ele apenas ficava ali provocando e sorrindo com malícia e arrogância. Como disse, quase podia-se perdoá-lo, mas suportá-lo, isso era bem mais difícil...

Quando via uma mulher, com não mais que duas palavras se despedia bruscamente e ia logo flertar, seria uma grosseria se o jovem milionário não fosse tão enfadonho. Um dia, quando entrei no ônibus, ele estava conversando com uma moça muito bonita, que também trabalhava na mesma empresa que nós. Ela também trabalhava conosco, no inferno. Ele falava de seu grande plano.

- Vou me tornar um milionário! Com certeza! Eu tenho tudo que preciso: O esforço, o intelecto, a ambição, a bagagem necessária...

Cumprimentei os dois e fiquei ali observando. A menina escutava tudo com um ar de entediada e eu podia compreendê-la melhor que qualquer um pois já tinha ouvido aquilo várias vezes. Quando ele terminou de falar, parecia que ela tinha acordado de um transe. Ela olhou para mim e perguntou:

- E você? Qual é o seu plano?

- Eu não tenho um - respondi -, e você?

- Eu tenho alguns - ela disse -, mas nada dessa pretensão toda. Não tem nada? Não quer ser nada mesmo?

- Não. Quero apenas sossego.

Ela pareceu gostar da resposta, ele não:

- E vai viver do quê? Para um homem você não tem ambição nenhuma - disse o milionário em espírito, um pouco enciumado -, por isso é um ninguém!

- Vou viver das suas migalhas - eu disse -, isso basta para um ninguém como eu.

A garota riu, riu para mim o sorriso que ele queria, que ele tanto queria, afinal, tudo era uma competição naquela cabeça ambiciosa e aquele dia, ele foi o perdedor. Ela me olhava agora com simpatia e vivacidade (e tinha um sorriso muito simples e amável), algo que ele e seus futuros milhões não conseguiram. Pelo resto do percurso, ele tentou parecer mais humilde para ganhá-la, mas ela preferia conversar comigo, talvez se identificasse mais. Ele passou a me provocar menos daquele dia em diante, mas logo fui demitido e nunca mais o vi (amém).

Um ano depois, reencontrei-o no ônibus, mas agora ele estava atrasado. Como era possível? Ele era tão responsável, tão comprometido. Logo fiquei sabendo: Ele não mais queria ser um milionário, queria apenas ser feliz e estava com uma aparência tão despojada que já me parecia bem mais feliz.

- Esse trabalho é uma merda, não vai me levar a lugar algum, mandei pro inferno! Só quero ser feliz agora, beber com os amigos, descansar em casa, me aventurar mais, entende Risério?

- Oh sim, sim, claro - eu disse.

- Percebi, e agradeço a você por isso, que ser um milionário não é tudo na vida, ser feliz é o mais importante, mesmo na pobreza.

- Mas ser um ninguém não é tão legal como faço parecer.

- Bom - ele disse -, eu não sei se é ou não. Mas percebi que se você não compete, então não ganha e também não perde.

- É... É verdade.

- Você é assim, sempre se esquiva da disputa e acaba de certa forma sempre vencendo.

- Eu não faço isso pensando em vencer ou perder, só faço isso porque não tenho gana, sou um desinteressado pela vida em geral.

- De qualquer forma, te agradeço!

- Não esquenta.

- Você agora tem um plano?

- Não, ainda não.

- Ah.

E foi assim que o sorriso de uma garota corrompeu o jovem aspirante a milionário de futuro brilhante e o levou a ser um desleixado como eu.

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 07/05/2015
Reeditado em 15/11/2015
Código do texto: T5233369
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