Um Sr. Cabeça de Batata

Sem me entender, para não enxergar o que me confundia e saber quem – ou o que – sou desatarraxei meus olhos de plástico do rosto. Mas meus ouvidos me faziam escutar sons que me impediam a compreensão.

Sem me entender, me senti ainda pior.

Tirei minhas orelhas com a certeza de que nada mais ouviria a me persuadir, mas fui traído por meus sentidos quando, na ponta da língua, definições impulsivas e confusas me surgiram.

Sem me entender, me senti ainda pior.

Não hesitei, tirei minha boca com a esperança de não mais variar daquela forma e, enfim, me compreender. Veio-me, então às narinas, o cheiro da dúvida a consumir o meu corpo.

Sem me entender, me senti ainda pior.

Agora sem nariz, a fim de encurtar o percurso da dúvida, tirei minhas pernas para cercá-la em meus braços.

Sem me entender, me senti ainda pior.

Já em estado de autopunição, mas pensando tê-la (a dúvida) finalmente em minhas mãos, arranquei-me um braço; e me enganei.

Sem me entender, me senti ainda pior.

Debatendo-me ao chão, perdido em minha lucidez, desprendeu-me o outro braço. “Pelo menos, assim, não busco mais respostas”, pensei.

Senti-me ainda pior.

Ofegante, confuso, desolado e sem forças para nada fazer.

Ainda pior.

O vento soprou entre meus encaixes, dos furos das orelhas aos olhos, do nariz à boca.

Não pude mais ver, ouvir, falar, cheirar, andar e tocar, mas pude sentir.

E foi em minha cabeça-tronco, de dentro para fora, que pude entender do que realmente sou.

No final das contas, pude pensar e me sentir melhor.

Ayron Barsan
Enviado por Ayron Barsan em 07/05/2015
Código do texto: T5233482
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