E os anjos planejaram tudo.

Muito da construção do meu pensamento e sentimento passou pelas mãos e coração encantadores da minha madrinha.

Foi ela que ajudou a minha mãe a me dar os primeiros passos na honra e na moral.

A minha tia Norma – e eu falo assim com certa exclusividade – me ajudou a ler o mundo com olhos de mais amor, de mais compaixão e de mais cuidado. Com a tia Norma era tudo “mais” porque ela era superlativa na palavra, na fé e no afago.

Quantos conselhos pontuais vieram a marcar o meu coração para tomada de decisões!

Eu não sabia que seria assim. Posso presumir o trabalho da espiritualidade, dos anjos e arcanjos para a elaboração desse ser único, especialíssimo, que veio à terra para esbanjar iluminação e sapiência. Sim, os anjos ficaram planejando, conversando em fabricar um ser de luz intensa, capaz de olhar e bendizer as estrelas, compreender os mistérios da alma, a complexidade das relações humanas e fazer brigadeiros e bolos de abacaxi como ninguém. Eles – os santos – depois da sua grande obra, resolveram ficar deitadinhos nas nuvens, de barriguinhas para baixo, assobiando, deixando suas bochechas sobressalentes apoiadas sobre cada mão. Ficaram apenas olhando com confiança e emoção o fruto da sua criação.

E animadamente iam comentando o resultado final da sua obra.

Nunca uma pessoa tão íntegra havia ocupado o meu coração com tamanha propriedade!

Sempre pronta, de brilho macio e confiante no olhar, exalando amor e certeza. Certeza de quê? De que eu daria certo na vida, apesar das limitações que tantas vezes se impõe. A pessoa que mais estimulou que seus filhos e afilhados estudassem com afinco e determinação! E que fossem corretos em todas as circunstâncias.

E que lindas mãos! Mãos que souberam preparar a mesa para todos os seus convidados. Sempre farta, a mesa, de fórmica amarela, arrumada com o melhor que fazia. E sempre se aprimorava mais! E livros e mais livros a povoar o seu conhecimento. Ela aprendeu muito com esses mudos companheiros de existência, a sua grande e extraordinária escola.

Mãos que permitiam que afilhados molhassem a bala no açúcar. Um açucareiro grande e literalmente fora de moda, como mostra de que ali se depositava um tanto da sua alma.

Jamais eu vira uma pessoa tratar com tanta gentileza a recepcionista do hospital, o cobrador de ônibus, que sabia se era corintiano ou palmeirense, a japonesa do pastel da feira, o vizinho, o técnico da Telefônica ou o motorista de táxi. Conversava longa e educadamente com qualquer entrevistadora via telemarketing – e, carinhosamente, dava palpites para a indústria de bolos Dona Benta, ligando para a empresa e aconselhando se colocar uma colher a mais de Pó Royal na receita. Possivelmente a única pessoa no planeta a agir dessa forma.

E hoje a tia Norma completaria 87 anos de idade! Ouso dizer, a senhora completa muito mais, pois a senhora acumulou muito ao longo da sua jornada e soube perpetuar entusiasmo, esforço, a boa gargalhada, o prazer da partilha e tanta alegria pelos livros lidos e comentados, extraindo deles o melhor de ser e sentir e estar no mundo. E soube abraçar, se interessar pelos outros, vibrar entusiasticamente pelas conquistas. E como era bom contar as novidades para a senhora, minha tia!

E todas as noites, quando rezo, tento segurar na sua mão, agradecendo e sorrindo. Parece que a sua mão toca a minha. Com mensagem de companheirismo, ternura, cumplicidade e muita, muita amizade. E com muita fé e confiança na vida. Penso em ouvir suas gargalhadas. Em tomar aquela Coca Cola gelada à sua mesa. Penso nos almoços especiais de Natal.

Mas, além de pensar, eu sinto o mais profundo orgulho e prazer de tê-la comigo sempre, na mais absoluta fidelidade a tudo o que aprendi e ganhei com o seu amor e compaixão.

Fique com Deus, tia Norma. Siga em paz, caminhando entre as nuvens, na suavidade da sua alma tão bendita! E não se esqueça de animar o céu, fazendo o bolo de abacaxi prá São Francisco.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 12/05/2015
Reeditado em 14/05/2015
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