A outra face da moeda.

Agora, o outro lado da moeda.

Como médico, há cerca de uma semana atendi num ambulatório de deficientes auditivos do SUS, um senhor de aparencia bem humilde, com jeito descuidado e trajes bem surrados, que me contou a seguinte história:

Doutor, tenho 83 anos, sou o seu oitavo paciente, vim aqui porque estou com dificuldade auditiva e gostaria de usar uma prótese, mas gostaria de adverti-lo que já tive tres infartos do miocárdio, dois acidentes vasculares cerebrais, já fui atropelado por duas vezes e, na última fiquei com sequelas sérias, uma artrodese( endurecimento) no joelho direito, parestesia ( dormência) total nos membros inferiores e perda parcial da visão na vista direita, isso sem falar no cancer de próstata que vem me atormentando a 17 anos e já deu metastases na bexiga e fêmur fazendo o INCA me colocar no rol de pacientes fora de possibilidade terapeutica com cuidados paliativos e uso de sonda vesical permanente.

Essas coisas foram ditas, com as suas próprias palavras, e eu as ouvia estarrecido e admirado com a sua capacidade de sobrevivência. Nossa, tive vontade de chorar, apesar dos meus quase 40 anos de exercicio da Medicina, estava diante de um quadro extremo da miséria humana e me senti impotente perante esse relato de um ser humano que despiu as suas dores na minha frente.

Perguntei-lhe: o sr. veio com alguem, ao que ele respondeu, sim com Deus e em seguida perguntei: aonde o sr. mora, e ele respondeu: num quartinho de favor, nos fundos de uma padaria.

Nesse dia, fiquei arrasado e feliz ao mesmo tempo por poder atender a um simples pedido:

Ele queria apenas uma prótese auditiva, para poder ouvir o canto dos passarinhos que à tardinha, vinham dormir numa arvore localizada à frente do seu miserável quartinho...

Rio 10 de maio de 2015. Rog.