No Meu Velório

Definitivamente eu quero estar morto no dia do meu velório. Não que o contrário fosse possível, mas porque essa é a única forma de não ver tudo o que acontece em todos os velórios, e evitar que eu me levante e pergunte às pessoas: “Que que há, pessoal? Eu morri, pô!"

Quero está morto por que não quero ouvir as piadas sem graças, que nunca me fizeram rir quando estava vivo, contadas por aqueles que acham que precisam descontrair o ambiente. Nem ouvir os lamentos de quem tinha algo para me falar, e não falou, e agora arrependido, escancara para todo mundo o que eu nunca imaginei saber. Também não quero ouvir os profetas da morte dizendo que tudo o que eu fiz no dia anterior era como se eu soubesse que ia morrer – se eu soubesse mesmo juro que não tinha morrido! Assim como de maneira nenhuma quero ouvir os sanguessugas da funerária dizendo que eu mereço o caixão mais caro e o funeral mais bonito como se eu fosse agradecer pela consideração.

Morto, não poderei ver os grupinhos se formando para colocar as conversas em dias, aproveitando uma folga no trabalho por causa da minha morte, e nem ver algum desconhecido segurando a alça do meu caixão como se tivesse ajudando o vizinho a levar os móveis da mudança. Eu não terei como ver a escuridão dentro do caixão lacrado, onde com certeza se tivesse vivo morreria em pouquíssimo tempo com uma aguda crise de claustrofobia. E nem sequer verei, e ainda bem que não, os coveiros apressados jogando terra sobre mim e falando quanto custa para fazer a carneira sobre o túmulo.

Quero sim estar mortinho da silva para não levantar do caixão dizendo que não precisa mais esperar ninguém chegar de viagem para dar a última olhada em minha cara – já esperei tanta coisa nessa vida e ter que esperar mais até depois de morto, não há como aguentar. E nem me levantar para escrever um cartaz bem grande com a causa da minha morte estampada para evitar que minha família caia no choro novamente e diga isso pela milésima vez. Só bem morto, também, para não ter um ataque de tédio ao rodar pela cidade em um carro a menos de vinte quilômetros por hora atrapalhando todo o trânsito.

No instante final dessa solene cerimônia, agradecei mais uma vez a minha morte, pois somente por ela não sentirei raiva das pessoas que estarão conversando sobre coisas fúteis, ou mexendo no celular, ou rindo enquanto o pastor faz a última oração pedindo a Deus forças para todos meus familiares e amigos.

E é justamente por eles, por fim, que quero está morto no dia do meu velório. Para não os vê chorar. Para não os ouvi dizer adeus e eu não poder responder. É por não poder dá o último abraço em todos aqueles que amo que prefiro, sem sombra de dúvida, está sem vida nesse triste momento.

Tiago Mota