Era uma vez o tempo

Era uma vez o tempo. O tempo que eu perdia, que você ganhava, que a gente comprava. Eram tempos difíceis, demorados, ruins. Eram tempos de tempo em tempo, que exigiam paciência. Eram tempos que voavam, minutos que se despediam sem cerimônia, segundos que não esperavam aplausos. Este tempo não aconteceu; ele está acontecendo. Refiro-me ao agora. O momento em que você olha pra mim através de palavras e então entende que já não dói mais. Não dói mais como há dois minutos, porque o tempo não para. E muito antes de Cazuza.

Demora pra gente perceber, mas o presente é um presente. O passado acabou, assim como você acaba de beber seu chá, de expirar, de ler esta frase. Passou. Não volta. Revolta. Talvez seja por esse acaso desesperado, por essa impossibilidade cruel, que se faça dilacerante a memória e contundente a imaginação. Ninguém existe sem o que foi e ninguém vive sem ter saudade do que não fez. A gente passa uma ou duas noites revivendo orgasmos, relembrando cheiros, rematando desfechos inacabados e resgatando sentimentos adormecidos. A gente também sofre pelo que a gente não viveu. Sente falta do que não sentiu. É engraçado, mas é sério. E aí a gente se apaixona por nossa projeção do que "deveria ser" real. É por essas e aquelas que passado é passageiro e você é tripulante: uma hora ou outra, o passageiro chega ao seu destino e sai pela porta dos fundos. E, ainda assim, você segue. É preciso seguir. Aquela vida já não é mais sua, as pessoas que passaram por ela não são mais as mesmas, os prédios se reergueram ou foram destruídos, os anos se somaram. Então, o que se tem é o próprio tempo. E muito antes de Renato Russo.

A gente tem tanto dessa mania de acumular horas, esperar dias e apressar passos que a gente vira colecionadores de relógios e escravos do tempo. Não que não sejamos. Mas há quem viva este exato momento sem as amarras do passado e as correntes do futuro. Há quem diga "sim" para a insanidade mais do que para a razão, simplesmente por se deixar levar pelo agora. Simplesmente por não temer o depois. Simplesmente por não temer. Simplesmente, simples. Porque a gente adora uma complicação. Achamos que com ela a gente sai ganhando no final e que a recompensa há de vir. Só que o final não existe. Ou, talvez, o final seja isso: eu escrevendo sobre amor enquanto ouço uma música suave, com os pés para o alto, pensando em como as coisas poderiam ser diferentes se eu tivesse escolhido o outro lado da moeda e você, lendo a toda essa baboseira de que falo. Não digo, falo mesmo - jogo conversa fora com qualquer um disposto a me ler do outro lado da tela. O que nos resta é viver hoje, porque hoje o tempo voa. E muito antes de Lulu Santos.

Mas não voa como uma borboleta, livre de casulo. O tempo bate as asas com uma velocidade e altura que nenhuma metamorfose poderia acontecer. Mesmo que esse tempo não seja nada pra gente. Mesmo que passe por entre um piscar de olhos, o tempo ainda é tempo. E, para aquela borboleta, um dia é uma vida inteira. Enquanto a gente pena para entender que a vida é um dia inteiro - o dia que você desperdiça esperando o outro. Aliás, chega dessa outra mania de esperar pelo que não se tem certeza e ter certeza do que não se faz a menor ideia. A vida é o que acontece hoje e essa é a única certeza que se deve ter. Então, não me fale de felicidade sem que eu possa vivê-la agora. Não me fale sobre emoções sem que eu possa senti-las agora. Se for depois, não tem mais graça. E isso a gente só percebe quando aprende a valorizar o momento no momento. Até lá, a gente continua se apoiando na mediocridade do "e se". Eu vou ficar, mas se não tiver alegria aqui, eu vou embora para a Pasárgada de Bandeiras ou para o país das maravilhas de Alice, porque o tempo não tem tempo. E muito antes de mim.