UM MUNDO DE SURDOS

UM MUNDO DE SURDOS

Tenho a impressão de que estamos todos sendo atacados coletivamente pela perda inconsciente de uma de nossas capacidades: a audição. Mas não nos assustemos. Pelo menos, não muito e por enquanto: ainda há esperança de combate a esse mal tão perigoso. Na verdade, esse tipo de surdez se manifesta de diversas formas.

O primeiro tipo, a surdez seletiva, tem características bem definidas. Os acometidos por ela só ouvem o que, para eles, é interessante ou traz algum benefício. Assim, estão isentos de qualquer tipo de chateação provocada por reclamações, pedidos inoportunos, reivindicações descabidas e outras situações indesejadas. Vivem eles protegidos do que, para os poucos seres humanos imunes a ela, representa essa realidade insuportável e cruel. A maioria das vítimas desse mal são empresários, executivos, maridos desatentos, esposas sobrecarregadas.

O segundo tipo, a surdez conflitante, tem marcas igualmente claras. Os que a apresentam são incapazes de ouvir apenas o que outro diz. Nesse caso, sempre há uma segunda intenção, um não dito, algo por trás. Daí nascem os mal-entendidos, as discussões desnecessárias. Quem é atingido por ela tem o próprio significado para o que quer que alguém diga, sem jamais ouvir o que, de fato, foi dito. Para eles, um simples “tudo bem” pode ter inúmeros sentidos, todos eles capazes de criar um conflito interminável. O alvo preferencial desse tipo de surdez são adultos inseguros ou com a autoestima muito baixa.

O terceiro tipo, a surdez social, talvez seja a pior de todas. Aqueles que sofrem com ela são simplesmente arrebatados do mundo por qualquer agente de distração. Eles são ensurdecidos pela televisão, pelo computador, pelo celular, pelo jogo de futebol ou por qualquer outra situação capaz de captar a atenção. No momento em que estão sob o efeito dela, não ouvem absolutamente mais nada. Cumprimentos, solicitações de ajuda, recomendações, tudo passa despercebido. Os mais suscetíveis a ela são jovens até os 25 anos.

A boa notícia é que a cura vem da mesma fonte de onde a surdez surge: do próprio doente. Alcançá-la, no entanto, requer uma dose grande de reflexão e uma ainda maior de boa vontade e respeito para com os que o rodeiam. Caso esse mal não seja erradicado, viveremos, no futuro, em um mundo cada vez mais surdo, incapaz de ouvir e, consequentemente, de compreender o outro, de dar ao que ele diz a devida importância. Um mundo no qual um “tudo bem” nunca será apenas um “tudo bem”.

Everton Falcão
Enviado por Everton Falcão em 08/06/2015
Código do texto: T5270740
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