RECEITA DE QUENTÃO DO AMOR(*)

Desanimado de tanto esperar por você meu amor querido, fui procurar ajuda na rezadeira.
Primeiro ela me pediu 50 reais, ai choraminguei que poeta é sempre duro, ela baixou pra 20. E alertou:
- Seu amor não te quer porque poesia não enche barriga.
Rezou, rezamos, rezou, mexeu com as cartas, bebeu pinga, passou a mão na minha cabeça e sentenciou:
 - Mi fio, vá pra casa, tira o menino dos braços da estátua de Santo Antonio enfia ele num copo d’água nesse dia 13 de junho e só tira quando ela voltar pra você. 
Fiquei animado.
Passei na quitanda, comprei 200g de gengibre, um litro de pinga de cabeça, um pacotinho de cravo da índia, outro de canela em pau, mandei marcar tudo e fui tremendo de frio pra casa.
Botei meio quilo de açúcar pra derreter e queimar. Piquei em rodelas finas o gengibre. Adicionei um litro e meio de água, na mesma panela do açúcar queimado, mais o gengibre, mais 13 cravos, mais 4 lascas de canela e deixei ferver, ferver, até derreter todo o açúcar queimado.
Quando começou a cheirar, adicionei o litro de pinga e mexi tudo.
O cheiro bom de quentão invadiu a casa. Invadiu minha alma. Invadiu a vizinhança.
Comecei a saborear aquela delícia quente. Aquilo foi me esquentado a alma, esquentando o humor, esquecendo o frio da vida. 
Esquecendo o frio da solidão.
Cada copo que eu tomava mais se distanciava o milagre de meu amor voltar.
A vizinha também meio carente se aproximou.
Tomamos todo aquele quentão juntos.
A noite vazou quente.
Acordei de manhã, língua grossa, cabeça inchada, ainda zonzo e tão agarrado na vizinha, quanto o menino na estátua de Santo Antonio.

(*) pode seguir a receita que o quentão fica delicioso.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 14/06/2007
Reeditado em 27/08/2007
Código do texto: T527328
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