A Confraria dos Baloeiros Audazes

Na tarde em que recebi a notícia, olhei-me no espelho do banheiro e disse para mim, quase sem acreditar: “Agora você é membro da temida Confraria dos Baloeiros Audazes”. Foi difícil, porque até eles se convencerem de que eu não era policial ou um informante do departamento anti-incêndio levou quase um ano. Mas consegui.

Para os baloeiros audazes, soltar balões era jogo sério. Muito mais que uma diversão, era uma prova de audácia, de poder, de macheza. Destruir, ferir, matar. Era o jogo deles. A pontuação que cada jogador obtinha dependia do tipo de incêndio causado, da repercussão na mídia, do número de mortos e feridos, etc.

O 'Manual do Baloeiro Audaz' tinha setenta páginas e explicava tudo nos mínimos detalhes. Por exemplo, um incêndio em mata nativa valia trinta pontos. Numa residência comum, sem mortos e feridos, dez pontos. Com um ferido, vinte. Com dois, vinte e cinco. Com um morto, setenta pontos. O que valia mais era hospital. Sem mortos e feridos, duzentos pontos. Com mortos, até mil pontos.

Polícia praticamente não havia: a cidade estava tomada pelo crime. Foi o que deu força aos baloeiros audazes, que puderam se organizar e realizar façanhas incríveis, como o incêndio no prédio do Corpo de Bombeiros, que ardeu em chamas por dois dias e ficou completamente destruído.

Naquela tarde eu fui aceito. Quase não acreditei...

Sou engenheiro de minas, trabalho o tempo todo em buracos e túneis, mas sempre quis ser piloto de guerra, lançar mísseis e bombas de última geração, acabar de vez com os inimigos: BUM! BUM!

Meu hobby era fogo. Eu simplesmente amava o fogo, sua beleza, seu poder, sua força. Num galpão que eu tinha herdado do meu pai, longe da cidade, eu testava diferentes tipos de explosivo, criava bombas misturando cordite, pólvora e outros ingredientes, e as detonava nos finais de semana, deliciando-me com os resultados. Meu sonho era criar uma explosão espetacular, linda, que gerasse um grande incêndio, algo memorável... Foi para isso que me tornei um baloeiro audaz.

Na noite do dia 27 de março de 2018, os quatrocentos e um membros da Confraria dos Baloeiros Audazes se reuniram no meu galpão para uma grande festa comemorativa. Além da celebração dos quinze anos da confraria, haveria a entrega de um prêmio especial para o confrade Gerard, responsável pelo balão que praticamente destruiu o Hospital Central da cidade naquele ano, causando a morte de mais de duzentos internos.

Quando Gerard subiu ao palanque para receber seu prêmio em dinheiro das mãos do presidente da confraria, eu já estava do lado de fora, a mais de quinhentos metros do galpão. Quando ouvi os aplausos ecoarem pela noite, apertei o detonador: BUM!

Foi o fim da temida Confraria dos Baloeiros Audazes.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 25/06/2015
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