Lembranças da minha infância

Chegara, então, o tão esperado mês de julho. E com ele vinha toda a minha felicidade. O mês das férias escolares. Ah, eu contava os dias para as aulas terminassem e eu ficasse de férias. Desejava isso por não gostar de estudar? Não! Não é esse o motivo. O motivo era poder passar um mês inteiro de férias na casa de meu avô e minha avó no interior do município de Afuá – PA. No local que é conhecido como rio medonho. Calma, não se assustem com o nome, de medonho não tinha nada, aliás, era e é maravilhoso. Chegava, enfim, o dia de viajar. Meus avôs chegavam a cidade de Afuá em sua interminável lancha que se chama Elieze. Eu logo começava a arrumar minha mala para deixar tudo pronto e apenas esperar a hora da viagem. Chega o momento! Inicia-se a viagem que tem de duas a três horas de duração. Eu, como sempre gostava de ir em cima da lancha deitado com meus primos e amigos que moravam na vila do seu carrinho – meu avô. Sempre íamos conversando, cantando, contando piadas, histórias, mas eu gostava mesmo era de ir observando as paisagens da natureza, os pássaros, as arvores, o rio, as moradias que tinham às margens do rio, as crianças andando de casco, as outras embarcações que passavam por nós e sempre havia um aceno com as mãos como forma de cumprimento aos navegantes das mesmas, as pessoas que jogavam bola nos campos de moinha, os botos que às vezes emergiam das águas por alguns segundos, e aquele exuberante céu azul e um bando de pássaros voando a uma imensidão que pareciam flutuar no ar. Chegávamos quase sempre à noite, na ocasião não foi diferente. Ao sair da lancha para o trapiche lá estava nosso querido e bagunceiro chuíto (cachorro do meu avô) lambendo nossas pernas. Adentrava a casa com minhas coisas e ia dar um prolongado abraço e receber os carinhos de minha avó Jóia, que poucas vezes ia junto para a cidade, cumprimentava meus tios e tias. Depois dos cumprimentos era hora de dormir. Como de costume, no interior as pessoas sempre acordam cedo, mas eu sempre acordava mais cedo ainda. Habitualmente, acordava às 06:00 h da manhã, sempre via o magnifico nascer do sol e com ele eu pegava um casco e ia para o rio apenas para ficar passeando, apesar de não saber pilotar corretamente, isso era um hábito diário e no mesmo horário.

Depois de passar um tempo e de as outras pessoas acordarem eu voltava para tomar café e que café. Café com bolinho de trigo e farofa de palmito feitos incomparavelmente por minha querida tia Naia, que era também quem sempre fazia massagem nas pancadas que eu levava jogando bola. O café era sempre animado pelo fato de a mesa sempre estar cheia e pelas conversas. Terminado o café as crianças saiam para brincar e os adultos para fazer suas ocupações.

Eu adorava quando a vovó me convidava para irmos pescar. Colocávamos as malhadeiras, os caniços, algo para merendar, zagaia, paneiro, e saíamos pela manhã. Não muito bem, mas eu ia pilotando, antes de chegarmos ao local de nossa pescaria entrávamos na mata e íamos a pequenos lagos que também são conhecidos como baixas para pegarmos camarão para utilizar como isca. Isolávamos o local com pedaços de arvores e começávamos a jogar a água da baixa, depois era só ir pegando os camarões que ficavam em seco com a retirada da água. Pronto. Agora só faltava chegarmos ao nosso destino. Chegando lá colocávamos as malhadeiras em um igarapé e íamos pescar com os caniços. Eu achava incrível que minha avó sempre sabia onde os peixes ficavam. Começávamos a pescar. Ela era muito fera e praticamente não errava nenhuma vez que os peixes beliscavam, já eu de quando em quando puxava um, quando acontecia era uma felicidade inexplicável. Depois de puxarmos alguns íamos ver as malhadeiras. Gostava de fazer isso pelo motivo do suspense, quando ia sendo puxada a malhadeira para dentro do casco criava-se uma expectativa de ir observando os peixes presos na mesma. Depois de termos pegado o suficiente para o dia era hora de voltar. Ao chegar em casa minhas tias começavam a preparar os peixes, depois eram fritados e cozinhados, para acompanhar tinha um delicioso feijão e um arroz temperado que era algo indispensável para meu avô. Na hora do almoço as pessoas mais velhas almoçavam na mesa e as mais novas sentadas no assoalho da cozinha pelo fato de sermos uma família grande com uns vinte membros. Terminado o almoço descansávamos, e umas três horas da tarde saíamos para tirar açaí, minha avó, meu tio Deco e mais meu primo Didi. O máximo que eu conseguia era tirar um cacho, já meu tio e meu primo eram especialistas que passavam de uma arvore para outra. Depois de tirarmos o suficiente para o jantar voltávamos com os cachos para casa, desbulhávamos e colocávamos água quente para amolecer, depois de amolecer eu pegava uma tigela enchia de açaí, farinha e açúcar, misturava bem e ia para a tolda da lancha que estava amarrada no trapiche para roer e ficar jogando os caroços no rio. Terminava enchia mais uma vez e fazia o mesmo procedimento. Era o momento de ir jogar bola no campo de moinha ao lado da serraria do meu avô. Jogava até umas 18:00h, depois de me divertir bastante jogando ia tomar banho no rio. Terminava, trocava de roupa e ia ver minha avó amassar o açaí e ao terminar tinha duas panelas grandes cheias de açaí. Dividíamos com algumas pessoas que moravam na vila. Depois disso meu avô mandava meu tio Deco ir funcionar o motor que gerava energia para a vila. Depois de funcionado era hora do jantar, hora de ter o deleite de apreciar o delicioso açaí amassado por minha avó. Terminado o jantar íamos para a sala assistir o jornal e a novela. As pessoas que moravam próximo da vila tinham o hábito de diariamente irem assistir também, a sala ficava lotada. Ao terminar a novela desligávamos o motor que gerava a energia e íamos dormir a espera do nascer de um novo dia.

Neuton Belchior
Enviado por Neuton Belchior em 28/06/2015
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