O caso das rolinhas energizadas

Doutor Fulano ficou furioso quando viu as manchas de sabão no seu carro importado novinho e gritou com o menino que o tinha lavado, um adolescente da comunidade que tentava seu primeiro emprego após recusar várias vezes ser aviãozinho de traficante no morro. Doutor Fulano esbravejou com o menino, humilhou-o tanto, gritou tanto palavrão, que o jovem chorou de soluçar na frente dos colegas e de alguns pedestres que tinham parado para ver a cena e se divertir com o seu sofrimento.

Ninguém defendeu o garoto. Por quê? Ora, porque era o Doutor Fulano, o do carrão, o bonzão, o ricaço.

Engana-se quem estiver pensando que o menino foi atrás de seus amigos traficantes e pediu a cabeça do Doutor Fulano. Não. Ele simplesmente continuou seu trabalho, humilde e resignado.

Mas os gritos do Doutor Fulano produziram uma energia que ninguém viu nem sentiu. Uma coisa inexplicável, algo místico, sobrenatural, não sei... O fato é que das ofensas esbravejadas por Doutor Fulano surgiu uma espécie de fonte energética, um buraco negro invertido que, ao invés de sugar, liberou no espaço um fluxo de energia, como um rio de ondas suaves e poderosas que seguiu seu curso pela cidade, percorrendo ruas, avenidas, praças e parques.

Cinco meses se passaram. A fonte já tinha secado, mas a energia continuava circulando. De repente, ela encontrou um bando de rolinhas que, do nada, levantaram voo e foram fazer seus ninhos na garagem do Doutor Fulano, do lado de dentro, bem em cima do seu carro importado ainda novinho.

Doutor Fulano estava no estrangeiro com a esposa. Duas vezes por semana uma faxineira limpava a casa, diligente e cuidadosa, sempre querendo agradar os patrões.

Na garagem, a energia produzida pelos gritos do Doutor Fulano pairava ao redor das rolinhas como uma névoa espessa, pesada, e as fazia defecar como nunca tinham defecado antes, jorrando litros de fezes sobre o carro importado novinho do Doutor. Quando a faxineira viu aquilo, três dias depois, as fezes já estavam secas.

Parada na garagem, olhando o carro todo sujo, a faxineira não viu, mas um fiapo da energia que pairava no ar, ao redor das rolinhas, desceu e envolveu sua cabeça pensante. Foi quando ela teve uma ideia: foi até a área de serviço, pegou um pedaço enorme de palha de aço e esfregou-o com toda a força sobre o carro importado novinho do Doutor Fulano: capô, teto, portas, bagageiro, tudo. A mulher ficou satisfeita com o resultado, sem saber que, junto com as fezes, tinha feito desaparecer também a pintura importada caríssima do carrão novinho do Doutor.

Terminada a limpeza, as rolinhas foram embora.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 01/07/2015
Código do texto: T5296029
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.