Refletindo na água

Passando, como de costume, próximo ao chafariz da universidade onde estudo, me pego com a atenção voltada ao modo com que a água se elevava. Com o necessário de tecnologia, a água, antes jazida, agora permanecia estranhamente instável, eriçada sobre si mesma, verticalizada diante o seu conjunto horizontal.

Pensei em como isso poderia refletir os nossos modos de vida, nossas relações com os outros e até mesmo nossa autopercepção. É que a água, como elemento que se enquadra em inúmeros recipientes, pode simbolizar o paradoxo de nossa capacidade de acomodação e adaptação, a contradição que nos permite aceitar nossa condição nos tornando acomodados, bem como nos permite transbordar o mais acolhedor dos recipientes, buscando por novas mudanças e adaptações.

Porém, tendo a água a natureza de enquadrar-se em uniformidade, a mais sutil artificialidade pode desestabilizar essa harmonia, esse equilíbrio que é próprio da natureza aquosa. A tecnologia que eleva algumas gotas sobre milhões de outras é, como toda tecnologia, um privilégio, funcionando como artificialidade que desestabiliza, que divide as águas entre horizontais e verticais, sendo as últimas superiores, elegantes, belas e dignas de atenção.

Meus olhos, vidrados naquelas gotas eriçadas, fizeram com que eu os sentisse análogos às revistas de fofoca, a muitos jornalistas esportivos e apresentadores de programas aos domingos. Me via concentrado em perceber detalhes daquelas gotas destacadas frente às outras, me via distraído e crente de que todo o valor daquela estrutura estava nas gotas impulsionadas.

Tomado pela distração da beleza e da vontade de me juntar às gotas que não se viam água, esqueço que, de fato, sou apenas uma das milhões de horizontais almejando a atenção das centenas de verticais.