FIOS DE PRATA

Não tem jeito, o tempo passou e andou a passos largos com a insensata desculpa da inexorabilidade. Não é justo tal descompasso entre o físico e a mente. Esta defasagem não me parece penitência e sim pedagógica, mas com que propósito? Quando os fios de prata adornam as cabeças e as rugas enfeitam as faces, um mundo de invisibilidade se torna visível.

Há os que abusam do jargão da mente jovem num corpo já fora do convencional do mundo dos mais jovens. Ledo engano, pois a mente é atemporal, assim como a alma. O grande paradoxo é tentar encaixar as duas coisas: mente e corpo. A mente é para olhar o tempo e o corpo é para sofrer o tempo.

Quando os jovens visitam os asilos, não é para olhar as mentes e sim para olhar os corpos envelhecidos. Corpos envelhecidos tornam-se locais de visitação e são os mesmos corpos envelhecidos invisíveis pelos jovens no dia a dia dos centros urbanos. Por não saber aproveitar melhor esta capa de invisibilidade os anciões recolhem-se em suas casas, em seus sítios, em seus asilos ou “casas de repouso”. E aí eu pergunto por que repouso: Será que a vida foi tão cansativa assim? É uma metáfora cruel. O único repouso é a cova, mais cruel que a própria metáfora. Enquanto as hemácias fluem nas artérias parcialmente oclusas, enquanto as sinapses cerebrais agem, há muito que fazer. As emoções e os sentimentos não envelhecem, tornam-se límpidos e transparentes. É a fase da vida em que a subjetividade e a objetividade invertem-se: o corpo torna-se um ente subjetivo e a mente tem uma objetividade aparente. E é esta a razão pela qual o idoso fica invisível. Entretanto cabe a ele não negar a sua existência pra si mesmo. Se ao olhar o espelho, suas rugas te incomodam, não olhe mais no espelho, a não ser para pentear os fios de prata ou lavar a face. Se as pessoas não te olham mais ou nem sequer te notam, não dê importância, siga em frente. Há muito que fazer, pois a vida é verdadeiramente curta. Você e seus fios de prata já constam na lista de chamada. Aproveitem a estadia com mais entusiasmo.

Sérgio Clos

Sérgio Clos
Enviado por Sérgio Clos em 06/07/2015
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