DESUMANIZAÇÃO

Minha ponderação é pertinente, uma vez que conheço a rotina de hospitais, como paciente, é claro. Até posso colocar-me do outro lado do balcão e sentir na pele de como lidar com um entrevero de gente de tudo que é tipo. Deve ser complicado, entretanto a dificuldade não pode em nenhum momento atrapalhar a clareza do raciocínio e da sensatez. Ao cirurgião que passa horas a cortar e costurar com movimentos precisos e com a responsabilidade de ter uma vida em suas mãos, o nosso eterno agradecimento. Por mais onerosa que seja a cirurgia não há dinheiro que pague uma vida. Mesmo assim, somos o paciente número tal, da cama tal do quarto tal e da prancheta azul. Na passagem de turno a enfermeira que está passando o serviço aponta para sua cama e diz o que foi feito e o que deve ser feito. Nenhuma delas te enxerga, no máximo vislumbram um vulto na horizontal, é o que você é. Numa determinada noite na CTI, eu já me sentindo bem chamei uma enfermeira que estava sentada descansando. A convidei para conversar um pouco, ele negou-se. Tudo bem, talvez estivesse num mau dia. A próxima enfermeira que me atendeu, mesmo eu procurando olhar nos seus olhos, passou todo o turno sem me dirigir uma só palavra ou um olhar. Mediu meus sinais e aplicou-me injeções, num automatismo quase que desumano. Talvez eu tenha envelhecido e não percebi, mas não creio que velhice seja motivo para discriminação. Entendo, é uma rotina estressante. Não nos esqueçamos, somos os atores principais nesta peça. Hospitais, clínicas e CTI’s não teriam “vida” se neles não houvesse doentes. Deveríamos nos sentir importantes e não apequenados ou atrapalhando o turno das profissionais de plantão. O afeto, carinho e atenção adequada são remédios eficazes. Quando a dei alta da CTI, a enfermeira levou-me para o quarto, agradeci e dei-lhe um abraço, ela olhou-me surpresa como quem diz: Meu Deus, ele é uma pessoa!