Vaquejada
 
Eu amo o Sertão. Adoro.
O povo, a vegetação, as lendas. Gosto de andar com meu chapéu de palha pelas veredas escutando acauãs, sabiás e galos-de-campina. Gosto das lagartixas estiradas a tomar banho de sol, das casas de taipa, das farinhadas e do São João mas olhe, se tem uma coisa que eu não suporto é vaquejada.Como não suporto a ideia de rodeios, touradas, rinhas de galo ou de canário. Na minha cidade tem um parque de vaquejada mas eu passo é por longe, o pai nos levou uma vez, quando pequenas, a mim e à Vanda. Eu já era míope e por isso não via o que se passava na pista.
Pelo meu gosto as vaquejadas teriam tudo, as exposições de gado e cavalo de raça, os vaqueiros paramentados, o forró para animar as noites, os rapazes se amostrando para as moças de botas, as bancas de artesanato e os meus conterrâneos se divertindo.

Tudo menos a derrubada do boi.

É muita maldade, meu povo. Um espetáculo brutal, primitivo, oferecido a uma platéia de sádicos. O novilho ser solto, faminto, sedento (porque deixam os bichinhos passarem fome e sede, restritos a currais minúsculos), apavorado com a gritaria dos assistentes, com os ferimentos do bate-esteira  e dois cavalos do tamanho do mundo atrás dele. De repente puxam-lhe a cauda com toda força e o infeliz cai. Ali ele quebra a pata, as costelas, às vezes até morre. A troco de quê? De um "valeu o boi"? De um troféu estúpido para o igualmente estúpido "vencedor"? 
E há os que chamam isso de cultura! Mas o que esperar de um povo cujo governador falou, em rede nacional, que a violência contra a mulher no Nordeste é "cultural"?

É preciso acabar com esse atraso de o homem por e dispor do animal ao seu bel prazer. No Livro Sagrado do Cristianismo, Nosso Senhor deu ao primeiro homem a tarefa de dar nomes aos bichos e cuidar deles. Estou certa de que o Todo-Poderoso não se agrada e se entristece com o tratamento que o homem tem dado aos animais, seus semelhantes mais próximos na escala evolutiva.

Eu não suporto vaquejada. Não frequento nem recomendo. Aliás eu sou terminantemente contra qualquer tipo de violência. Fico revoltada quando vejo um jumentinho a morrer de trabalhar, uma criança catando dejetos no lixão ou quebrando pedras, suas mãozinhas pequenas já cheias de calos. Calos são para nós, as pessoas grandes. São o nosso orgulho. Criança não, criança é para brincar, ir à escola, aprender a ler para futuramente contribuir para o crescimento do país.
É de cortar o coração, meu povo. Cavalos levando esporadas, chorando de dor e de cansaço em exaustivas horas de trabalho que um homem, mesmo sendo muito forte, não aguentaria.

Um dos homens mais sensíveis e geniais que já andou sobre a Terra enlouqueceu de dor ao presenciar o tratamento desumano dado a um cavalo por seu "dono". Depois de espantar o agressor aos berros, o filósofo agarrou-se ao pescoço do animal chorando convulsivamente, suas lágrimas se confundindo com as do bicho. Em seguida teve um violento colapso e desfaleceu. Dizem que suas últimas palavras, antes de transpor o umbral da sanidade, foram "mãe, eu sou um idiota".

Na escala evolutiva nós, humanos, somos inferiores aos anjos. De lá, de onde estão, as criaturas perfeitas nos olham com olhos de amor. Se quisermos seguir em frente e, um dia, nos juntar a eles, olhemos com os mesmos olhos para os animais, as crianças e o nosso lindo planeta.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 09/07/2015
Reeditado em 09/07/2015
Código do texto: T5304932
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