A Calcinha
 
Olá, pessoal.

Com essa nova crônica eu abro a primeira página do meu livro número dois. Comigo é assim, a coisa toda é acompanhada em tempo real, sem mistérios nem escondidices. Porque eu sei da nossa efemeridade. Já pensou se eu morro sem contar esse causo engraçado da minha infância? Armaria. Dartagnan, compadre, prepare a bombinha.
 
Apois. Quando eu era pequena eu detestava ser pobre. Hoje considero ser meu charme, pobre, fraca da cabeça e perdedora nata. Porque os meus heróis foram exatamente assim. Poe morreu de bêbado na sarjeta. Tolstoi, de frio num vagão barato, após repartir todos os seus bens entre os camponeses. Camões morreu, como dizem "sem um trapo para se cobrir". E por aí vai. Eu gosto disso, admiro e acabou-se.
Pois é, mas na meninice eu queria ser era rica. Me envergonhava da minha situação. E uma das coisas que mais me envergonhavam eram as minhas calcinhas.
A mãe quem as fazia. Pegava uma banda de retalho, outra banda de outra estampa, punha elástico no cós e nas pernas e pronto, já podia usar.
Mas que nada. Eu queria era calcinha das que o povo comprava nas bancas. Tudo importada do Beco da Poeira, meu Deus, como eu era besta. Se máquina de costura a mãe ainda tivesse eu ia era encomendar umas vinte porque as minhas estão em situação pecuária e de saia levantada eu não vou andar.
Um dia mandei um SMS para a Vanda de dentro do banco: "estou no banco e me lembrei que estou usando uma calcinha das de vestir em casa. Se tiver um assalto e o assaltante mandar todo mundo tirar a roupa eu não tiro de jeito nenhum".
Ah, sim. Calcinhas dividem-se em "as de sair" e "as de vestir em casa", por motivos óbvios.
 
Mas voltemos à minha infância em Boa Viagem. Quando o Thiago era pequeno ele era meio doido. Pulava a janela do oitão e saía correndo e a mãe, lá da cozinha, lavando roupa na bacia ou abanando o fogo, gritava "Verinha, vai buscar o minino!"
Oh, meu povo. Eu tinha muito ódio. Saía com o Diabo nos couros pra pegar o moleque e quando pegava até o Cão tinha pena, levava-o de volta arrastando pelos cabelos.
Nesse dia de que trata essa crônica eu estava de saia, uma pretinha que eu gostava muito. Menino saiu, mãe gritou, fui buscar. Nesse dia ele correu no rumo da rua e pulou uma cerca de arame que ficava ao lado de um bar. Com a fúria de todos os demônios eu pulei a cerca atrás dele mas a saia ficou, enganchada no arame.
Fiquei só de calcinha no meio da rua. Parecia um pesadelo. E para acabar de ajeitar, dois bebinhos no bar presenciaram a cena humilhante. Um deles falou "olha, a menina rasgou a saia..." e o outro completou "e é uma calcinha invocada, né?"
 
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 11/07/2015
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T5307108
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